Friday, December 01, 2006

Algumas definições de banda desenhada.


Penso que não nos ajuda olhar para "definições" para entender os objectos a que podemos dar atenção. É raro, no que diz respeito quase a tudo, que aprendamos as coisas através das definições abstractas. Usualmente vamos aprendendo-as ao longo da nossa vida e incluindo-as nessa categoria abstracta, sem nos preocuparmos em demasia - isto é, que nos impeça de avançar para os fins pragmáticos em vista nessa circunstância - se uma nova coisa se integra total ou parcialmente na "sua" categoria. Sabemos que os pinguins e as galinhas são aves, apesar de não voarem; pensamos numa mesa de quatro pernas quando pensamos na ideia de "mesa", mesmo que saibamos que existam mesas com menos ou mais do que quatro pernas.
Mas dizer que uma definição não é possível - como faz alguma escola do pensamento - parece ser uma decisão facilitista e perigosa, pois levaria à total inexistência de limites, e levaria a uma inclusão demasiado abusadora (quer para trás, historicamente, quer para a frente, com novos produtos culturais). Existem, para a arte em geral, duas teorias: a institucional, que de uma forma muito caricatural aqui, poderia dizer tratar-se da ideia de que algo é julgado "arte" pelo mundo da arte (o próprio artista em primeiro lugar e depois uma confirmação por círculos cada vez maiores, dos críticos às instituições como galerias e museus até ao público em geral, se bem que este seja qual desnecessário, dado o grande divórcio entre as artes ditas eruditas e o público mais geral), e a histórica, que aponta a existência de uma função da arte e a subsequente verificação se a obra de arte em questão a cumpre. Mas ainda assim não são suficientes.
Uma definição de X tem de ter as condições necessárias e suficientes para se ter X. "Necessárias" porque sem elas, não se tem X, e sem uma delas já não temos X; "suficientes" pois bastarão essas condições para ser ter X e pouco importa ter mais condições. Logo, elementos como o balão, a narratividade, uma função moralizadora, a existência de texto verbal, uma personagem contínua, etc. não são condições "necessárias", pois se uma banda desenhada as não tiver (a uma ou mais) é ainda banda desenhada.
Talvez uma opção seja "desistir" de procurar definições essencialistas, que terão necessariamente de falhar com a progressão histórica e face à experimentação dos artistas, e antes aceitar o facto de vivermos numa complexidade histórica, social e cultural, logo, que procure respeitar as especificidades antropológicas da História (quando se olha para trás) e que seja suficientemente inclusiva face à multiplicidade de experiências existentes (no presente). A opção é, portanto, aceitar uma espécie de "narrativas históricas" (para utilizar a expressão de um filósofo das artes contemporâneo, Noël Carroll): em vez de procurarmos uma definição, fechada nos seus parâmetros essencialistas, procuramos antes uma explicação que dê conta das circunstâncias actuais em que dada obra surgiu, o que ela trouxe ao constante diálogo dessa mesma arte, o que ela obrigou a mudar na percepção dessa arte, ou no seu género (se for o caso), etc.
Não obstante essa ideia, , eis algumas definições (as mais curtas) de banda desenhada... A esmagadora maioria destas definições "fecham" um círculo em torno de um grupo de obras - e muitas vezes pautam-se por interesses historicizantes, conhecimentos e interesses nacionalistas ou linguísticos, ou até da disciplina em que o autor se inscreve... Todas elas terão aspectos a criticar, outros que são bons em termos de pistas de investigação, mas no fundo nenhuma delas nos ajuda a agrupar na perfeição e na (impossível) totalidade os objectos que poderíamos considerar "banda desenhada".
O que penso ser mais interessante é trazer à colação objectos tão diversos como a prancha que se apresenta acima, do francês Mathieu Sapin, um autor contemporâneo de banda desenhada mas com uma linguagem "clássica", e esta do lado, do britânico Martin Vaughn-James, do seu livro The Cage, de 1975, talvez o livro mais experimental no seio da banda desenhada (não tem uma personagem humana, sequer "viva", e problematiza as relações imediatas e lógicas entre o tempo e o espaço da narrativa, até mesmo a noção de narrativa, mesmo a de mera progressão visual...).

1.a. A bande dessinée (conhecida também pelo acrónimo de BD, ou bedê) é uma arte literária e gráfica (muitas vezes chamada de nona arte) na qual uma história é contada através de imagens, de desenhos, que são usualmente acompanhados por um texto (explicativo ou em diálogo, neste último caso no interior de um balão ou filactera).
Wikipedia (em francês): verbete de “bande dessinée
1.b. Comics (ou, menos comum, “arte sequencial”) é uma forma de arte visual que consiste em imagens usualmente combinadas com texto, muitas vezes na forma de balões de fala ou caixas de texto. Originalmente utilizadas para ilustrar caricaturas e para distrair através de histórias divertidas e triviais, evoluiu nos nossos dias para um meio literário com muitos subgéneros.
Wikipedia (em inglês): verbete de “Comics"

2. Banda Desenhada: Imagens pictóricas ou outras, colocadas lado a lado, numa sequência deliberada, com a intenção de transmitir informação e/ou produzir uma reacção estética no espectador.
Adaptado de Scott McCloud, Understanding Comics. HarperPerennial: Nova Iorque 1994.

3. A banda desenhada consiste em narrativas pictóricas ou em exposições nas quais as palavras (muitas vezes escritas na área da imagem dentro de balões de fala) contribuem as mais das vezes para o significado das imagens e vice-versa.
R.C. Harvey, “A Comédia no cruzamento da Palavra e da Imagem”;
em Varnum, Robin & Gibbons, Christina T. (eds.), The Language of Comics: Word and Image. University Press of Mississipi: Mississipi 2002.

4. Quadrinhos são uma narrativa gráfico-visual, impulsionada por sucessivos cortes, cortes estes que agenciam imagens rabiscadas, desenhadas e/ou pintadas. O lugar significante do corte – que chamaremos de corte gráfico – será sempre o lugar de um corte espácio-temporal, a ser preenchido pelo imaginário do leitor. Eis aqui a sua especificidade: o espaço de uma narrativa gráfica que se alimenta de cortes igualmente gráficos. Na “banda desenhada”, a grafia exige uma dupla articulação semiótica: a narrativa enquanto tal e o seu agente impulsionador (o corte), que mobilizam a relação produção/leitura de forma a mais eficaz possível, tendo em vista a própria operacionalidade semântica e estrutural de sua vigência quadrinhística. Isto é, seu espaço narrativo só existe na medida em que se articula com os cortes, que, assim, seriam redimensionados pelo leitor.
Moacy Cirne, Quadradinhos, Sedução e Paixão. Editora Vozes: Petrópolis 2000; pp. 23-24.

5. Estrutura narrativa, formada pela sequência progressiva depictogramas, nos quais se podem integrar elementos de escrita fonética.
Roman Gobern, El lenguage dev los comics.
Ediciones Península: Barcelona 1972; p. 35.

6. "Graphic storytelling" é a arte da utilização de imagens em sequência, e a subsequente linguagem de formas e técnicas, desenvolvidas ao longo de muitos séculos”; “Acho que não devemos procurar definir a banda desenhada a partir de uma ideia formal. Acho que algumas das melhores bandas desenhada não implicam “imagens sequenciais”, a qual é a base de todas as definições formais da banda desenhada.

Adaptado de Eddie Campbell, numa entrevista [Campbell apresenta uma preocupação análoga à que me interessa perseguir, apesar do cotejamento destas duas citações provocar um pequeno paradoxo em torno da ideia de sequência].

7. Comics? O que são Comics? A banal literatura pulp? Revistas de humor ridículo? Bens de massas da indústria cultural? Bildergeschichten [“histórias em imagens”, em alemão]? Filmes em papel? Cartoons? Literatura gráfica? Há muitas definições para a banda desenhada, que nos deveriam dizer o que a banda desenhada é. Em alemão, a palavra comics é uma palavra emprestada, e a verdade é que há tantos sinónimos para ela que parece estar a indicar-se que a palavra não é satisfatória. Mas talvez tenhamos de considerar a palavra de um modo literal e elas são, de facto, cómicas, komisch, engraçadas e estranhas, divertidas e esquisitas. Em alemão, komisch significa ambos esses significados. Se alguma coisa é komisch, poderemos rir disso e, ao mesmo tempo, ficar intrigado com isso.
A banda desenhada (comics) continua entre as categorias da estética burguesa. Não é nem literatura nem arte. Não tem a profundidade de um romance, nem a riqueza de uma pintura, a densidade de um poema, nem os pormenores de uma fotografia, ou o movimento de um filme. Que tudo esteja em falta é natural; doutro modo, a banda desenhada não seria banda desenhada. Mas ela não está na verdade em falta em relação a estas especificidades de outros media. A banda desenhada emergiu de uma mistura. Como Art Spiegelman o afirmou [em Comix, Essays, Graphics & Scraps. From Maus to Now to MAUS to Now, 1988]: a banda desenhada (comics) são um com-mix, uma mistura entre palavras e imagens. Tal como muitas pessoas defendem, a banda desenhada vista como commix acaba por abranger demais, em vez de de menos: está a misturar-se demais; há série a mais; e há demasiados momentos esquisitos e divertidos.
Ole Frahm, “O que é demais é demais. O jamais inocente riso da Banda Desenhada”;
em Image & Narrative, Outubro de 2003.
[Frahm está mais atento a um aspecto sociológico, da recepção que a banda desenhada teve/tem e a sua relação num sistema mais amplo de artes; ainda assim, tudo o que ela aponta ajuda-nos a aproximar do nosso objectivo]

1 Comments:

Anonymous Anonymous said...

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6:46 PM  

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