Saturday, December 02, 2006

Um desvio pelo cinema.

Apenas para fazermos uma pequena comparação, mas que nos ajudará a consolidar a ideia da necessidade de um "ponto de partida", falemos um pouco de cinema.
Qual é o seu "ponto de partida"? Apenas uma ideia cristalizada, mas algo falsa, e na nossa cultura europeia largamente influenciada pela francesa, vem-nos imediatamente à cabeça o nome dos irmãos Lumière enquanto "inventores do cinema". Não estou a referir-me a estudiosos da especialidade, mas a um público geral. É usualmente aos Lumière que é atribuída a origem dessa arte. Mas na verdade, a única contribuição verdadeiramente original dos dois irmãos foi a da projecção (já que em relação à câmara de filmar propriamente dita o que fizeram foi uma pequena ginástica de retroengineering sobre a de Edison), a qual tomou os contornos que ainda hoje tem: imagens em duas dimensões, projectadas num plano liso, numa sessão pública. Há quem queira ver nos Lumière também o início da tradução "realista" do cinema, mas já ninguém leva a sério essa dicotomia. Bastará ver os seus filmes com alguma atenção (como o da Saída da fábrica, aqui retratado) para nos apercebermos da existência de uma bem conseguida e dominada unidade narrativa, planeada e pensada.
No entanto, essa ideia não deixa de ter alguma ponta de razão. Isso deve-se ao facto de um outro realizador, mago de teatro, Georges Méliès, ter feito um assombroso contributo para esta nova arte. Méliès, graças a acasos felizes e a uma aturada investigação dos "truques" que a câmara e a encenação teatral poderiam fazer, lançou-se à realização de uma imensa quantidade de filmes fantásticos (na plena acepção da palavra, enquanto género narrativo), sendo A Viagem à Lua o mais famoso (aqui com uma cena). Uma visão - como eu disse, colocada em questão nos nossos dias - quer ver portanto uma divisão narratológica entre os Lumière e Méliès...
Mais, o que nos leva a isso é uma visão contemporânea do cinema. Só por estarmos informados com o cinema do nosso tempo e a sua história (até hoje) é que olhamos as suas origens desse modo. Além do mais, o ser humano parece querer sempre atingir as respostas mais simples, e atribuir a invenção de qualquer coisa a uma só pessoa, como se nada tivesse existido antes e surgisse de repente (ab ovo é a expressão). Todavia, se olharmos de um ponto de vista puramente técnico para o cinema, nada nos indica ter de parar nos Lumière... A quantidade de máquinas existentes e com nomes hoje algo pomposos e divertidos é já em si uma excelente pista para a complexidade do tema. As lutas aparentemente exageradas nesta vinheta de Scott McCloud foram, de facto, bem reais. Se voltarmos ao texto de Benjamin, entenderemos que a aposta dos franceses em apontar aos Lumière como os inventores do cinema se prende com as "mudanças sociais" operadas pela projecção (e uma pontinha de nacionalismo), ao passo que os americanos, na sua insistência em Edison e o seu kinetoscópio (que já tinha filme sonoro; o som "desapareceu" com a projecção), estáo mais presos à "técnica" (e uma pontinha de nacionalismo).
De um ponto de vista técnico", se descrevermos o cinema enquanto imagens em duas dimensões cuja sequência rápida, ritmada e intervalada nos dá a ilusão de movimento, então o que nos impede de olhar para os flipbooks ou os zootropes (aqui ao lado está um) e dizermos que estamos perante máquinas cinematográficas? Não nos podemos pautar pelo facto do cinema usar celulóide como suporte de gravação de imagens, uma vez que existe hoje "cinema digital", o que lança essa definição física num papel de exclusão... do filme Sarabande, de Ingman Bergman, por exemplo. A ideia de gravação poderá ser um ponto de partida válido? A obrigatoriedade da sua projecção é também compulsiva? E deverá esse acto de projecção ser público e colectivo (passível de ser projectado num espaço que pode ser olhado por mais que uma pessoa) ou poderá ser individual?
Se podermos considerar o acto de visionamento de imagens em movimento, de um modo individual (tal como acontecia com o Kaiserpanorama), e se não estivermos de modo algum presos à necessidade de termos de ver imagens análogas às do mundo (icónicas, portanto), não poderíamos ver o caleidoscópio (aqui ao lado vê-se uma versão do século XIX, se não estou em erro) como um "acto cinematográfico"? Quando digo "individual" não digo "ver sozinho", como quando estamos numa sala de cinema sem mais nenhum espectador e esquecendo o projectador, ou quando estamos sozinhos nas nossas salas a ver um DVD (digital, não celulóide...): quero significar o facto da máquina em questão apenas poder ser utilizada e as suas imagens serem visualizadas por uma só pessoa (há muitos brinquedos que permitem ou exigem isto). E quando falo de imagens que não-icónicas, falo de abstracções que seriam tornadas possíveis e belíssimas até por realizadores de cinema como Hans Richter ou de animação como Norman McLaren. Os efeitos produzidos pelo caleidoscópio são análogos aos de alguns filmes destes (e de outros) realizadores. Mas não falamos de cinema ainda...
Nos casos do Kaiserpanorama, do caleidoscópio, do zootrope, etc., não haverá projecção, o qual, como vimos com Benjamin, despoleta determinadas mudanças sociais. Mas se estivermos presos à projecção, e esquecermos os outros pormenores tecnicizantes, a ideia de projecção de imagens em duas dimensões para fruição pública e colectiva era já experienciado por outros actos culturais, sendo talvez o mais belo exemplo a das sombras javanesas (de que temos aqui uma imagem), fruto de marionetas magnífica e pormenorizadamente recortadas em silhueta e que eram manipuladas entre uma fonte de luz e a "tela" onde as sombras são projectadas. Poderíamos falar de outros exemplos, talvez... Para tudo o que se disse.
Um desses exemplos poderia ser talvez aquela que seria considerada a primeira sessão de cinema de toda a História do ser humano: ela é contada na alegoria da caverna de Platão. Três homens, numa sessão pública e colectiva, a olharem para uma superfície plana (uma parede de rocha), onde são projectadas imagens em duas dimensões (sombras) por meio da luz do sol atravessar os corpos das figuras, a atravessar fora da boca da caverna...
Brincamos? Sim e não.
Falar da caverna para falar de cinema poderá, à primeira vista, parecer ridículo, uma boutade sem qualquer utilidade verdadeira. Todavia, creio que deverá ser claro o seu objectivo: a escolha dos Lumière não é totalmente fora de um grau de arbitrariedade, e como "ponto de partida", poderemos sempre voltar atrás. Porém, se tomarmos em conta os irmãos Lumière como "ponto de intersecção" que origina uma ideia de cinema, um campo de criatividade, de expressão, de um modo que transmite ideias, uma apreensão do universo, de estímulos sobre as emoções, a moral, etc. do seu fruidor, então essa escolha torna-se pertinente. Mais pertinente do que escolher Platão, as sombras javanesas, ou o caleidoscópio... tão arbitrária como escolher Edison ou Méliès. Simplesmente parece que essa escolha é, de facto, a que torna a discussão quer da sua pré-história quer da diversidade da sua produção (mesmo contemplando as possibilidades futuras) a mais acertada em relação às outras. Ou talvez não. O bom disto tudo é podermos sempre rever as nossas posições e conceitos.
Eis porque nos parece também que a escolha de Töpffer é análoga às razões aqui apresentadas.

3 Comments:

Blogger oakleyses said...

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