Tuesday, January 16, 2007

Uma tipologia das pranchas, segundo Peeters.

Um outro livro importante, publicado no espaço francófono, sobre a banda desenhada (e anterior ao de Groensteen) foi o Case, Planche, Récit (trad. “Vinheta, prancha, narrativa”, de 1998; aqui o livro apresenta-se na sua versão “de boslo”, de 2002) de Benoît Peeters (famoso autor, com o artista François Schuiten, da série As Cidades Obscuras). Este livro apresenta várias lições, importantes, mas concentrar-nos-emos no capítulo 2, “As aventuras da página”, uma vez que ele é discutido em algum pormenor por Groensteen.
Nesse capítulo, muito simplesmente, Peeters apresenta quatro tipos de pranchas, que na verdade poderemos ver mais como quatro “usos” que se podem dar à prancha, ou quatro “princípios” de construção das pranchas. Essas concepções são regidas no cruzamento de dois eixos: a relação entre a narrativa (récit) e a imagem (tableau), e a dominância de um aspecto sobre o outro, ora a narrativa ora a imagem... retomando assim uma discussão anterior de que a banda desenhada permite precisamente uma leitura narrativa, linear, literária (a sua faceta de legibilidade) e uma leitura tabular, enquanto visualidade, quadro, conjunto organizado de imagem, etc. (a sua faceta de visibilidade).
Assim chegaremos a quatro concepções.
1ª - a prancha convencional.
É óbvio que o autor tece algumas considerações gerais, de ordem sociológica e histórica, sobre as limitações apresentadas aos autores noutros momentos (por exemplo, os anos 60 e as revistas periódicas de banda desenhada franco-belgas), explicitando parcialmente o espaço próprio e até a consciência dos autores em relação a essas mesmas limitações. Não obstante, o que Peeters faz é apresentar de facto esta tipologia, esperando assim construir um ponto de partida que seja pertinente, do ponto de vista formal, para investigações posteriores. Em relação a este uso, Peeters aponta aquelas pranchas que se apresentam com um número regular de vinhetas, usualmente ou do mesmo tamanho ou múltiplas de uma unidade maior [como se vê neste exemplo do Buck Danny de Hubinon, em que em cada prancha temos uma vinheta que ocupa espaço de duas das menores e outra de quatro]. Como Peeters explica, este "convencional" nada tem de juízo de valor, apresentando-se antes como uma descrição literal do trabalho, uma vez que essa regularidade, à força de repetida, se torna "invisível" na leitura. Estamos, obviamente num campo onde é a narrativa que domina sobre a imagem, mas a sua relação é autónoma, levando a um efeito quase neutro dessa simbiose possível.
2ª – a prancha decorativa.
Neste tipo de prancha, é literalmente que salta à vista a predominância da imagem, uma vez que toda a prancha pode ser lida como um quadro unitário, de certa forma sublinhando não só a autonomia entre a imagem e a narrativa, como a emancipação da primeira em relação à segunda. [depreende-se de imediato desta prancha de Philipe Druillet] Peeters diz que neste tipo, há “um fascínio pela pintura” (que mima, de certa forma). Na maior parte dos casos, não é difícil imaginar que o autor lance um esboço de um desenho que reja toda a página, ou que a ocupe (um rosto, digamos), passando depois à distribuição das vinhetas ou dos vários momentos da acção que pretende representar.
3ª – a prancha retórica.
Nos dois casos seguintes, já não existirá uma autonomia tão grande entre a narrativa e a imagem, mas uma procura pela interdependência, ainda que se mantenham níveis díspares de domínio de uma sobre a outra. Neste caso particular, é novamente a narrativa que estará a comandar a construção da prancha: e as vinhetas, enquanto “unidades”, adaptar-se-ão às necessidades da diegese, retratando quase a própria acção que encerram. [o exemplo indicado por Peeters é esta prancha de Hergé, da série do Tintim, As Jóias de Castafiore, apontando sobretudo para as ª, 10ª e 11ª vinhetas, nas quais elas se vão progressivamente abrindo para dar conta da escorregadela da personagem Nestor] A este uso, notar-se-á em resultados expressivos, nos quais os dispositivos formais da banda desenhada, por mais inventivos que sejam, inovadores, etc., estão ao serviço da história que se deseja contar, e tudo existirá para esse fim. Essa é uma das razões pelas quais os álbuns do Tintim, quer se goste ou não, quer se julgue algo desajustados a um mundo demasiado entregue à contemporaneidade ou não, são de uma legibilidade incrivelmente fácil...
4ª – a prancha produtora.
Finalmente, invertendo-se aqui o domínio para o da imagem, temos o caso em que é a imagem, o princípio que o autor tenha decidido como instigador da prancha enquanto unidade “tabular”, visual, que exercerá influência sobre a história a contar, são essas opções do visual que farão pautar, em primeiro lugar e acima de tudo, o que se contará nela. [Peeters dá vários exemplos, entre os quais esta prancha do Little Nemo in Slumberland, de Winsor McKay, de 2 de Fevereiro de 1908: se olharmos apenas para a forma das vinhetas, notaremos que se trata de uma “escada”, em que a cada “fatia horizontal”, vistas da esquerda para a direita, a de cima vais crescendo onde a de baixo diminuí; no entanto a leitura é feita de um modo mais linear, da esquerda para a direita as quatro de cima, e depois as de baixo; os corpos das personagens, além de se adaptar ao tamanho das vinhetas através das anamorfoses a que são sujeitos ao atravessar o Hall of Mirrors; se começa este episódio numa leveza do sonho, já Nemo acorda no fim sob o peso do pesadelo] Peeters aponta para o facto de que este uso, apesar de tudo, é menos cultivado do que os outros três, sobretudo em obras de maior fôlego (isto é, pensadas de imediato enquanto livro); mas sublinha o seu aspecto criador. Apesar desta tipologia não se revelar enquanto uma hierarquia, é muito fácil depreender que, segundo Peeters, é o uso produtor que é o mais interessante, já que se trata da solução de busca por soluções gráficas que ajudem à construção da narrativa, procurando ser assim a forma mais acabada de ser banda desenhada.
Para além de...
De modo nenhum Peeters deseja que este pequeno sistema seja absolutamente rígido, mas apresentando-o enquanto tal, leva-nos a perguntar se funcionará sempre, se não será possível encontrar exemplos em que concorram mais que uma tipologia (o que parece impossível, de acordo com o cruzamento dos eixos)... É o que Groensteen faz, colocando em questão essa tipologia (v. o seu livro, pgs. 110 e ss.). Apenas como uma forma muito reduzida de ilustrar essas dúvidas e críticas, veja-se esta história completa em duas pranchas do artista espanhol Frederico del Barrio: consideraremos estas pranchas como convencionais, já que apresentam uma regularidade do tamnho e formato das vinhetas em cada prancha? ou decorativo, já que o total das pranchas estabelece uma indubitável relação visual, quer em termos de forma, de cor, e até a colocação da personagem que vai envelhecendo e movendo-se na "margem da praia", desenhando um V da sua própria "vida" que decorre?, ou ainda, um uso retórico, já que se atentarmos às duas "metades" dessa vida retratada, a posição/formato das vinhetas se adapta a uma certa ideia de velocidade e obstáculo sentido nessa marcha?
Tal como muitos outros, a tipologia de Peeters é um excelente ponto de partida para, de facto, depois de nele estar, nos afastarmos dele...

5 Comments:

Anonymous Ilda Pereira said...

Boa noite!
Estou eu a tirar um curso de e-formadores e já faço parte de uma e-turma.
Onde se lê "[o exemplo indicado por Peeters é esta prancha de Hergé, da série do Tintim, As Jóias de Castafiore, apontando sobretudo para as ª, 10ª e 11ª vinhetas, nas quais elas se vão progressivamente abrindo para dar conta da escorregadela da personagem Nestor], é a 9ª que falta.

Obrigada!
Ilda Pereira

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Blogger oakleyses said...

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