Tuesday, December 05, 2006

Signos da banda desenhada.

De acordo com as lições de Saussure e de Peirce (assim como de muitos outros semiólogos, linguistas, etc.), o que poderemos dizer da banda desenhada?
Quando olhamos para uma prancha “normal” de banda desenhada, ela é composta por quadradinhos dentro dos quais estão desenhos que representam coisas que reconhecemos como existindo no mundo. Nesta prancha de Yves Chaland, reconhecemos um avião a sair de uma base secreta na montanha, pessoas, um protagonista chamado “Bob Memory” a beber num bar, a bater com força na porta da namorada, Cinthia, que não quer nada com ele, e a levar um estalo dela que até dói.
Tenho a certeza que ninguém colocará em dúvida estas informações que acabei de verbalizar em relação a esta prancha. Mas pensemos um pouco. Já alguma vez vimos um avião parecido com aquele, na realidade? Já vimos alguma base secreta a abrir portas nas montanhas como esta, na realidade? Como é que sabemos que essa personagem no bar é um homem, que se chama Bob Memory, que é o protagonista? Como sabemos que ele bate “com força” na porta? Como sabemos que a namorada se chama Cinthia? Como sabemos que o estalo doeu?
A questão do reconhecimento e da realidade não é muito claro. É óbvio que nunca vimos aviões destes na realidade, nem bases secretas, mas há todo um historial de ficção a que estamos menos ou mais habituados, onde surgem máquinas e estratagemas como estes. Reconhecemo-las de outras ficções, para já. Mas há também uma relação com os objectos que conhecemos da realidade - portas, aviões, montanhas - que nos fazem encontrar “semelhanças” nestes desenhos. Para além do mais, conhecemos provavelmente suficientes portas, montanhas e aviões para termos uma “categoria” na cabeça onde relacionaremos todos os novos objectos com que nos deparamos e associamos a essa “categoria”.
O facto de que aquela personagem é um homem deve-se aos traços do rosto, ao corte de cabelo, à roupa, à fisicalidade, mas também está associado ao facto de que sabemos chamar-se Bob, um nome masculino nas nossas sociedades; por outro lado, sabemos chamar-se Bob porque esse nome, além de estar no título acima na prancha, é dito pelo próprio e por Cinthia, e sabemos que este é o nome da rapariga porque Bob o diz também. Sabemos que ele é o protagonista, pois além de estar representado no título de uma forma destacada, é o que está nomeado nele, e é o que aparece mais vezes (8, ou 9 com o título). Sabemos que ele bate com força na porta porque as onomatopeias “Bom bom” estão inclinadas e perto dos punhos cerrados e são elas próprias letras grossas e a negro, o que nos lembrará essa força. Sabemos que o estalo doeu porque, para além do “Clac”, vemos o rosto de Bob contraído e, acima de tudo, vemos quatro estrelas a rondar o espaço da vinheta.
Todas estas coisas são mais ou menos imediatas para as pessoas da nossa cultura e que sabem/conhecem todas estas linguagens. Mas o que se passa em todo esse entendimento são coisas muito diferentes, precisamente em termos de signos.
Tudo isto far-nos-á dizer uma série de “pois é!”, confirmando-se todos estes significados, mas é preciso ir ao fundo da questão e perceber o como.
De um ponto de vista saussuriano, não podemos negar de que existe numa banda desenhada uma intencionalidade (seja esta comunicativa ou artística, outra). Mesmo que se desenhe qualquer coisa “ao acaso”, sob o efeito de drogas, da hipnose, num transe místico, etc., não se pode apagar essa intencionalidade, pois passa pela acção de um ser humano e este é sempre um ser social (se não fosse, não desenharia). Logo, o que ela apresenta são sinais. Ora desses sinais, temos símbolos (os desenhos do avião, da montanha, das pessoas) e signos (as palavras escritas). Mas o que serão, por exemplo, as estrelas? Ela parecem-se com... estrelas, mas não as representam, logo, não podem ser símbolos no sentido de Saussure. Pois são uma convenção (e mais, nascida na banda desenhada, apesar de já ter passado para a linguagem verbal: “levas que até vês estrelas!”), portanto, são um signo. E o que dizer das espirais que rondam Bob? Das linhas de movimento paralelas atrás do avião ou das mãos de Bob e Cinthia? Das gotas de água à volta da cabeça do rapazinho na primeira vinheta? Do círculo mais claro (de “luz”) do candeeiro, na quarta?
Se nos viramos para Peirce, as coisas modificam-se ligeiramente (atenção mais uma vez às palavras e suas acepções). Temos uma quantidade de signos na prancha, que se relacionarão com os seus objectos, e somos nós, os seus interpretantes, que teremos de os classificar. Ora temos ícones (sobretudo ilustrativos: as personagens, o carro, as árvores) e símbolos (as palavras, as estrelas, as espirais, ...). E índices? Existirão eles aqui?
Voltemos um pouco atrás. Recordar-se-ão dos exemplos dos sinais de trânsito. Existem sinais em que são apresentados desenhos representativos de um qualquer objecto que reconhecemos como existente no mundo. Um “carro”, por exemplo. Esse signo será, da perspectiva peirciana, um ícone, pois partilha uma “semelhança” com um carro real. Mas num sinal de “proibida a ultrapassagem”, estou seguro que não o interpretaremos como “carro vermelho à esquerda de carro preto, vistos de trás”. Não o fazemos, pois está integrado numa convenção acordada (a sinalização rodoviária), a qual nos ensina que o “vermelho” significa “não-fazer” ou “não-acção” (uma proibição) e que o círculo/tarja vermelha à volta sublinha ainda mais esse significado. É por essa convenção existir, é por nós “lermo-la” desse modo, que é possível depararmo-nos com sinais novos e entender (quase) de imediato o seu significado, mesmo que os jamais tenhamos aprendido. Como exemplo, temos aqui dois desses sinais.
No primeiro reconhecemos dois dedos segurando um cigarro, de onde sai fumo, dentro do qual flutuam três folhas da reconhecível cannabis sativa. O facto de estar dentro de um círculo vermelho leva-nos ao seu significado: “proibido fumar droga” (o sinal é holandês). Os ícones (meio-ilustrativos, meio-diagramáticos) transformam-se num todo que é um símbolo.
No segundo caso (olhem com atenção os seus elementos, não é “trânsito proibido”), entendo os círculos vermelhos como “proibição”, e um dentro do outro, a repetição do símbolo (convencional), leva a um outro símbolo, a outro significado: “proibido proibir”. [Mas aqui temos um problema. O problema está no facto de eu ter explicitado aqui, verbal e imediatamente, tratar-se de um “sinal novo”. Façam esta experiência: desenhem este símbolo tal qual, numa folha branca e mostrem a qualquer pessoa sem falar do seu contexto. O mais provável é que não adivinhem do que se trata, de não serem capazes de o “ler”, “interpretar correctamente”. Porquê? Mas apresentem o mesmo símbolo num desenho que o represente como um sinal de trânsito, numa rua, e talvez a mesma pessoa adivinhe. Porquê?].
Vejamos outro caso. Todos reconhecem o que este desenho representa. Iconicamente, vemos uma caveira humana sobre duas tíbias cruzadas; mas simbolicamente sabemos que a Jolly Roger (pois é assim que se chama a bandeira) representa a ideia de “piratas” (ou outros significados análogos). É uma convenção histórica, plenamente integrada na cultura através da ficção e dos mais variados usos correntes.
E esta imagem? O que se passa? O que “significa”? Não significa a mesma coisa que os piratas ou os corsários históricos, seguramente. O facto de estar pintado sobre uma tecla de computador faz-nos atribuir-lhe um outro significado ou vários, que pode ir desde “inseri vírus”, “abordagem informática”, “hacker”, etc. Qual a razão dessa alteração de significado, se o seu valor icónico não se alterou, nem o seu significado simbólico?
Aqui temos uma página -´cliquem para aumentar - de The Juggler of Our Lady (1953), de R.O. Blechman, baseado na história de Barnabé (existe uma versão de Anatole France). Barnabé só sabia fazer malabarismos com bolas e, por várias circunstâncias, entra num mosteiro. Quando se aproxima o Natal, todos os monges se retiram para as suas celas e trabalham conforme os seus talentos individuais para um presente à Virgem Maria. Esta página representa esse momento de labuta individual e intensa. Temos uma representação icónica-diagramática das portas das celas; por cima, as frases (símbolos) indicam-nos as funções exactas dos monges. “Saindo” das portas, graças a uma linha de pontinhos – que aceitamos ser uma convenção, símbolo portanto, deíctico e de “movimento” – saem signos que representam essas mesmas actividades. Icónicos, estão apenas as nuvens de fumo do cozinheiro (não é um índice, porque é um desenho, isto é, um ícone ilustrativo de fumo, que por sua vez, na realidade, é um índice de “lume”), e talvez as pedrinhas que saltam da cela do escultor; na forma de palavras (símbolos), vemos aquelas que representam sons (nos casos do escritor, do escultor, e do pintor), as que representam significados verdadeiramente verbais (com o poeta); outros símbolos são as notas musicais (do compositor) e os pontos de interrogação de Barnabé, que “não sabe o que fazer”. Quer dizer, há uma profusão de signos, mas dependendo muito do uso (mais, do espaço em que se encontram), os seus significados primeiros alteram-se. Se as notas estivessem numa pauta, significavam algo mais de concreto do que nesta prancha; se a palavra “chip” estivesse sobre um passarinho, seria um pio, se estivesse num texto em inglês sobre póquer, significaria “ficha”, se sobre informática, um microprocessador, etc., etc.













Como vimos anteriormente, os símbolos (de Peirce), sendo uma convenção, estão associados a uma comunidade interpretativa determinada. Na banda desenhada, há muitas instâncias em que se denotarão diferenças conforme os usos. Na primeira destas vinhetas (de Frank Quitely, no recente título Superman escrito por Grant Morrison), as gotas na cara de Lex Luthor são icónicas, e representam “suor”, na segunda (idem) são “água do mar” a pingar do Super-homem. Na terceira imagem (de Griffu, de Jacques Tardi), a personagem que vemos está “mesmo” a sangrar do nariz. Mas na quarta imagem (de Minoru Furuya, da louca série sobre jogadores de ping-pong Let’s go!), e em conformidade com as convenções humorísticas da banda desenhada japonesa, quer as “lágrimas” quer o “sangue” que sai do nariz não são “isso mesmo”, mas antes símbolos da concupiscência, da excitação sexual perante uma mulher. A diferença está na convenção, e não no signo propriamente dito. Isto é, ele pode coincidir, mas o contexto, ou melhor, a comunidade de interpretantes, é que decide se está perante um ícone ou se perante um símbolo. Se lermos no caso da mangá o sangue como “real”, será algo confuso não existir mais nenhuma informação (verbal, icónica ou outra) sobre esse derrame nas vinhetas seguintes... Porque estaríamos a “interpretar mal” essa convenção. Quando as personagens da banda desenhada ocidental dormem, poderá aparecer um tronco a ser serrado por cima delas... mas não interpretamos isso como “tronco sendo serrado a flutuar por cima da personagem”! É uma convenção, um símbolo, significando“ressonar”...
Como podemos ver nesta vinheta de Astérix entre os Godos (escrito por Goscinny e desenhado por Uderzo), dentro do balão do chefe encontramos uma suástica, uma caveira com um capacete de “boche”, um ponto de interrogação “gótico”, o que parece ser uma explosão, um dente solto, uma espiral quadrada e um sinal gráfico). Para além da divertida “tradução” para gaulês na nota de rodapé, nós traduzimo-los também. Mas nenhum desses signos assume o seu valor ou icónico (os casos da caveira ou do dente, por exemplo), ou que assumem na comunicação escrita (o ponto de interrogação), ou simbólico (agora no sentido de Saussure, cultural; como a suástica). No interior do balão, e neste contexto particular, todos eles se tornam símbolos (Peirce) cujo significado, mesmo geral, é o de vários “palavrões” (que preenchemos conforme a nossa inventabilidade e educação). Aliás, se se preenchesse esse balão com palavrões explícitos e verbais, o humor seria erradicado, provocando no leitor um outro efeito qualquer (a menos que se ache mesmo piada ao simples facto de dizer palavrões, claro). O contexto, aqui, é extremamente importante. Nestes casos (como no caso anterior da vinheta de Furuya), ser banda desenhada é o que dita a sua interpretação “correcta”. Mais ainda... o balão. O balão é a quintessência do simbólico, no sentido de Peirce, na banda desenhada. Nunca o vemos como uma massa branca a flutuar da boca das personagens, mas uma convenção que estabelece o “espaço de discurso” e a sua atribuição.
O facto de existir essa contextualização é, portanto, importante. Digamos que é esse contexto que dita as regras interpretativas, o espaço possível de interpretação aos interpretantes. Como nesta série de Blechman (mais uma vez, é melhor aumentarem), os desenhos solitariamente talvez não significassem grande coisa e não assumissem nem os seus significados nem a sua piada; é por estarem em relação uns com os outros que o significado de cada coração (já de si um ícone diagramático!) assume um significado “certeiro”, como se se tivessem criado no interior desta prancha as regras que nos permitem interpretar o código simbólico que é respeitado. É por isso que o sinal de “proibido proibir” poderá não fazer sentido se apresentado tal qual, a frio, e numa sua contextualização nos leva a dizer, “ai, pois é!”.
É por isso que a Jolly Roger, desenhada numa tecla de computador, passa a assumir um significado (simbólico) diferente do anterior (na bandeira). É por isso que uma suástica e uma espiral assumem o significado de “palavrões” no interior de um balão de banda desenhada. É por isso que o balão assume o significado de “fala” numa banda desenhada. É por isso que Bob Memory assume o significado de “protagonista” na prancha apresentada. É por isso que as estrelas assumem o significado de “dói mesmo!” naquela vinheta. É por isso que o sinal de “curva à direita” estabelece uma relação parcialmente de ícone com a curva à direita que vem logo a seguir... A essa contextualização, ao estabelecimento de uma relação directa do signo com um determinado espaço (a curva na estrada, o balão, a vinheta, a prancha de banda desenhada) para que assuma o seu significado, poderemos dar o nome de indexação. É aí que existem os índices na banda desenhada. Estão em relação directa com a banda desenhada, propriamente dita, euquanto objecto-que-causa. Fora desse contexto, a estrela pode ser simplesmente uma “estrela”, ou um grau de “qualidade” numa secção sobre cinema numa revista, a suástica assume os seus vários significados (para o nazi, o navajo, o budista, o artista), a gota de suor é uma gota somente... Sejam ícones (a personagem, a caveira, o fumo, o sangue no nariz) ou sejam símbolos (a espiral, as palavras “clac” e “Bob”, o ponto de interrogação), ao serem indexadas na banda desenhada, passam a assumir o seu “exacto e “correcto” significado (respectivamente mas conforme os casos: “personagem principal”, “palavrão”, “cozinha-se”, “concupiscência”, “bebedeira”, “onomatopeia de um estalo”, “nome da personagem”, “dúvida”...).
Penso, por isso, que existem ícones, símbolos e índices (segundo Peirce, não fará mal insistir), de uma forma implicada e intricada, na banda desenhada.
Não quero dizer com isto que Saussure é “inferior” a Peirce, o que as teorias da semiose deste último são mais aptas a explicar a banda desenhada enquanto linguagem. Não tenho os poderes para isso sequer. Simplesmente quero sublinhar o modo como se poderão utilizar ambas as teorias para poder entender o que se pode passar na banda desenhada enquanto sistema de signos. A conclusão a que podemos chegar neste patamar é que, seja de um ponto de vista ou doutro, a verdade é que ocorrem todos os tipos de signos no interior da banda desenhada. Isso, só por si, mostra mais uma vez o carácter misto desta arte. Não é que tal situação não ocorra noutras artes (como o cinema), mas enquanto que na pintura, por exemplo, há uma predominância do icónico (passe a pintura abstracta, mas mesmo Malévitch ou Mondrian pretendiam uma representação signíca do mundo, ainda que para além da visão “normal”, e Pollock queria fazer "representar" os seus movimentos) e na literatura do simbólico (Peirce), na banda desenhada todos eles têm de ocorrer para ela se tornar a si mesma.
Mas, já sabemos que estas coisas são como os comboios, que podem esconder outro.
O que quer isto dizer?
Onde se encaixarão estas questões?

Sunday, December 03, 2006

Saussure & Peirce.

Muitas vezes, falar-se-á de uma arte, da escultura ou da música ou da banda desenhada, como sendo uma linguagem. Mas o que se quererá dizer com isso? Que implicações terá essa afirmação, essa expressão? Será apenas uma metáfora ou cobrir-se-á de um sentido mais profundo, relevante e útil?
Um ponto de partida é dizer que a linguagem é um sistema de signos. Ora, à disciplina que se dedica ao estudo dos signos dá-se o nome de semiologia (se se seguir a regra francesa, e as lições e teoria de Ferdinand de Saussure, à esquerda) ou semiótica (se se seguir a regra anglófona, e as lições e noções de Charles Sander Peirce, à direita). Antes de avançarmos, é preciso fazer um pequeno aviso à navegação. Infelizmente, como é a língua (sistema verbal) o sistema semiológico que foi (é) o mais estudado e o mais fácil (?) de estruturar, acabou por se tornar uma espécie de modelo déspota para todas as outras linguagens, inclusive a visual, que não funciona, não poderá de algum modo funcionar da mesma maneira. Para já, pois as representações visuais não são finitas, como acontece na língua, por mais rica, diversificada e viva que ela seja. Não é um sistema fechado. No entanto, termos em conta algumas das noções que nasceram no interior dessa disciplina poder-nos-ão ajudar a compreender outras realidades (como a da banda desenhada), mesmo que seja para nos livrarmos dela assim que pudermos. Mas para quebrar as regras, ou ultrapassá-las, temos de as estudar.
Saussure e Peirce, os dois maiores nomes e fundadores, diferenciados e diferenciantes, deste ramo do saber, concordavam num aspecto: o signo é um elemento x que representa um elemento y. Mas o modo como essa representação era feita já é matéria de disputa (e complicada, porque as palavras são iguais mas referindo-se a coisas e ideias diferentes). Peirce, dentro da sua filosofia do Pragmatismo, terá de acrescentar uma peça fundamental nessa noção: “um signo é um elemento x que representa um elemento y para alguém”. Além do mais, as sub-divisões dos signos diferem bastante. Vejamos.
1. Para Ferdinand de Saussure é importante a intencionalidade de comunicação. Existem “Signos” num sentido lato, e a primeira divisão é se esses signos, se essas representações, o são por uma intenção ou não. Todos nós concordaremos que uma nuvem carregada e negra significa “trovoada” ou pelo menos “chuva”, que uma pegada de um animal no chão significa que “esse animal passou por ali”, que uma mancha negra em torno do olho significa “levou um soco”. O soco e a passagem do animal podem ter sido feitas de modo intencional, mas não a mancha nem a pegada e muito menos o seu “significado”. Quando não existe essa intenção, fala-se, de acordo com Saussure, de índice. Todos os índices não fazem parte da ciência dos signos, isto é, a semiologia; interessam antes a outras disciplinas do saber (nos exemplos dados, interessarão à meteorologia, à zoologia ou a um caçador, a um médico ou a um polícia). Se existe intenção de comunicação, fala-se de sinal. Este último ainda se sub-divide, pelo tipo de relação. Se num sinal a forma x estabelece uma relação natural com o elemento y, fala-se de símbolo, ainda que esteja relacionado com uma dada cultura. Por exemplo, existe uma relação natural entre o sinal de trânsito “curva perigosa” e a curva respectiva, entre um desenho de uma ferramenta numa prateleira onde se colocará a ferramenta respectiva: ambos são símbolos. Em princípio, qualquer pessoa de qualquer cultura entenderia a função do desenho da ferramenta, mas a do sinal de trânsito talvez não. Não deixam de ser símbolos. Mas se não existir essa relação natural, e estivermos perante uma convenção, então passamos a falar de signos, num sentido mais estrito. O sistema de bandeiras da praia, o sinal de trânsito de “Stop” ou de “perda de prioridade”, o código Morse, a língua, uma cruz vermelha numa braçadeira ou outra feita de crepe negro, tudo isto são signos.
[Mas aqui faz-se uma pergunta: num sinal de trânsito como este, “proibido ultrapassar”, não haverá um cruzamento entre símbolo (os carros) e signo (a tarja vermelha significando “proibição”)?]
Aqui uma distinção importante é desencadeada, entre signos linguísticos e não-linguísticos, não só pela natureza dos seus signos específicos como pela sua “dupla articulação” (sendo a articulação um conceito de um outro autor, mais tardio, chamado André Martinet). Nos signos linguísticos, Saussure via uma relação binária entre um significante (o material que significa/faz significado, a forma sonora e/ou escrita) e um significado (a ideia, o conceito, a ideia mental, o conteúdo semântico que significa/é significada – Saussure nunca explicitou muito bem esta parte). Essa relação é impossível de destrinçar, e, nas palavras de Saussure, é “arbitrária e necessária”. Arbitrária, porque a “cola” que une o significante ao significado não tem qualquer relação natural ou interno, não tem razão nenhuma de ser, por assim dizer: por isso a ideia de pato em português é “pato” (as letras p-a-t-o; os sons – apesar de não utilizar aqui os sinais fonéticos - p-a-t-o), em inglês “duck” e em coreano “ôri”. Mas o sistema dessas convenções é estrutura social em relação a uma dada comunidade que partilha esse sistema, que impõe esse sistema, e é por isso que é necessária. A esse sistema, de regras afinal, dá-se o nome de língua.
Para além disso, a língua possui dupla articulação. A primeira articulação da linguagem (qualquer linguagem, para já) é a que estrutura o enunciado (o que é “dito”) em unidades significativas mínimas, quer dizer, a unidade mais pequena que tem forma/significante e sentido/significado (na língua, e fiquemo-nos por aqui, pois poder-se-á complexificar mais, são as palavras). A segunda articulação da linguagem é a que estrutura essas unidades significativas a partir de unidades distintas, i.e., que distinguimos de outras diferentes, mas já sem significado (na língua, são os sons ou as letras). O eixo em que a primeira articulação funciona é o sintagmático (um eixo horizontal, a frase, no qual as palavras estabelecem relações para construir enunciados com significado; as unidades estão em presença umas das outras), o da segunda articulação é o paradigmático (Saussure falava de “associativo”, mas o estruturalismo, uma outra escola da linguística, veio trocar e aprofundar algumas ideias; é o eixo vertical no qual entendemos que se substituirmos p- por r- em pato, já teremos um significado diferente ou em que sabemos poderíamos comutar uma das unidades por outra, unidade ausente). Diz-se que os códigos com dupla articulação são “económicos”, pois conseguem com um mínimo número de unidades atingir um grande número de combinações significativas. No entanto, desses “códigos” só se concorda com a existência de um: a linguagem (ou línguas) humana.
No entanto, existem códigos semióticos, sistemas, que apenas têm a primeira articulação, no sentido em que apenas têm unidades mínimas de significado que não são feitas de elementos menores, de unidades distintas, digamos, substituíveis. A infografia dos WCs, das modalidades olímpicas, os símbolos que encontramos na roupa (lavagem, etc.), o canto dos pássaros (que repetem “temas”), os números dos hotéis ou das carruagens dos comboios (quando 11 significa respectivamente “1º quarto do 1º andar” ou “1ª carruagem da 1ª classe”), e os sinais de trânsito são alguns dos exemplos desses códigos semióticos de primeira articulação somente. Alguns autores defendem que códigos como o cinema, a fotografia e até a narrativa (entre outros, e a banda desenhada, como veremos com Groensteen), apesar de terem unidades relativamente combinatórias – linhas, pontos, manchas, etc. –, essas mesmas unidades não são independentes, logo não têm segunda articulação, apenas primeira. Quer dizer, não posso pegar numa dessas unidades abstractas (o círculo que faz a maçaneta da porta desta prancha de François Ayroles, p.ex.) e verificar a mesma entidade (significado), num contexto diferente (como olho de uma personagem?). Há, porém, autores que defendem o contrário, e que apontam a possibilidade de uma sintaxe visual, como o Grupo μ. Para além disso, e esta ideia é retirada de Christian Metz, um outro semiólogo importante do cinema, estes códigos (artísticos) empregam “signos motivados” e não “arbitrários”, logo não têm o segundo eixo.
[Outra pergunta: ao confrontar estes três sinais, “proibido virar à direita”, “curva perigosa” e “obrigatório virar à direita”, não poderia dizer que as tarjas, as cores e as formas são comutáveis? Logo, que estaríamos perante a dupla articulação?]
Há ainda códigos que apenas têm segunda articulação, ou seja, em que o significado dos seus signos não é estruturado pelas unidades que os compõem, que são meramente funcionais. O mais famoso é o código binário (se forem o Neo, olhem para o ecrã com atenção, que o contemplarão). As bibliotecas usam também um código análogo, o CDU (Classificação Decimal Universal), que é hierárquico e serial.
Existem ainda códigos sem articulação, em que a associação entre um elemento x e um elemento y não é recorrente, mas apenas pertinente num contexto muito limitado. As inúmeras correlações entre signos do Zodíaco e pedras preciosas, números, cores, plantas, etc., são um código dessa espécie.
Nota: A obra fundamental de Saussure é Curso de Linguística Geral, de 1916, traduzido em português pela D. Quixote.
2. Para Peirce, a questão não está na comunicabilidade, na intenção de comunicar, logo na construção artificial do signo. Recordem-se do “acrescento”: para alguém. Não há um relação binária, na semiose de Peirce, sendo esta antes “uma acção, uma influência que seja ou coenvolva uma cooperação de três sujeitos, como por exemplo um signo, o seu objecto e o seu interpretante”. Nenhum destes três sujeitos, entenda-se, tem de ser obrigatoriamente humano, mas antes entidades abstractas. A relação entre o signo (aquilo que está em lugar de outra coisa, que a representa, x) e o objecto (a coisa que é representada pelo signo, y) pode não o ser por uma qualquer relação comunicativa directa e concreta, mas porque alguém, o interpretante, medeia essa relação como tal. Por exemplo, acima, na perspectiva sassureana (e terminologia, que coincide nas palavras mas não nas noções com a peirciana), a “nuvem carregada” não era um signo, mas um índice, pois não existia intenção de comunicar. Mas nós, humanos preocupados com a chuva, olhamos a nuvem como representando a chuvada (que aí vem); não há emitente humano, mas há destinatário humano. O interpretante (humano) estabelece a relação ente um signo (nuvem carregada) e um objecto (chuvada). Ou seja, da perspectiva peirciana, há um signo.
A classificação de Peirce dos signos é extensa (primeiro 10, no fim 66) e complexa (e cheia de nomes esquisitos e sub-divisões), mas para o que nos interessa, simplificarei e falarei apenas da divisão mais famosa (e pequenas sub-divisões), que se refere apenas à relação entre os signos e os seus objectos, a saber, os ícones, os índices, e os símbolos (tomem atenção, pois não significam o mesmo que antes, na parte de Saussure, e muito menos os seus significados mais correntes).
Um ícone é um signo que tem alguma semelhança (ou “parecença”) com o seu objecto. Os signos mais fáceis de entender nesta relação são os desenhos e as pinturas que representam algo que conhecemos na realidade (uma pessoa determinada, uma árvore); ainda uma equação algébrica também é um ícone, pois “mostra” as relações das quantidades indicadas. Mais, não é necessário que o objecto exista na realidade, pois estará integrado naquilo que Peirce chamou de “ground” (um “fundo”, em português), que como que estabelece as regras para a sua existência: por isso aceitamos o Tintin representar o Tintin, apesar de o Tintin não ser mais que uma personagem de banda desenhada, e não existir na realidade (ainda que recorde este ou aquela jovem homem real).
Um ícone pode ainda ser ilustrativo (Peirce diz “imagem”; é quando há uma partilha de elementos sensoriais: a imagem de uma árvore), diagramático (quando se partilha uma estrutura: o desenho de uma linha vertical e um círculo no topo para representar uma árvore) ou metafórico (quando a partilha é de uma qualidade: dizemos que a temperatura “sobe” porque o mercúrio sobe no termómetro).
Um índice é um signo cuja relação com o objecto é directa, ora por o objecto ser a causa do signo (como nos exemplos do fumo como signo de “fogo”, o som de alguém a bater à porta significar “alguém à porta”, e, claro, a nossa nuvem carregada) ou a consequência (as pegadas de um animal, um nariz vermelho poder significar “constipação” ou “bebedeira”, o corar representar “vergonha”). É algo que nos prende a atenção e faz procurar a associação directa.
Um índice pode ser um traço (algo que tem uma relação física com o objecto mas não é simultâneo ao signo, “já passou”, como as pegadas, ou “virá”, como as nuvens), um sintoma (que é simultâneo ao objecto, como o fumo), ou ainda designações (algo que é distinto do objecto, mas aponta para ele, designa-o, como os nomes próprios, os deícticos verbais – as palavras “isto”, “aquilo”, “assim”, etc. – o dedo apontando...).
Finalmente, um símbolo é um signo que representa o objecto graça a uma convenção. Ora esta ideia é precisamente oposta à de Saussure, como vimos (por isso é preciso tomar atenção para saber em que acepção dado termo é utilizado, nem sempre as palavras são usadas da mesma maneira nem para dizer o mesmo). A acção que une o signo ao seu objecto é fruto de uma convenção, arbitrária e acordada entre determinada comunidade, uma regra sistemática (uma linguagem), e o primeiro apenas denota o segundo por decisão do interpretante. Sem este, não se estabelece qualquer associação, por exemplo, entre a palavra “pato” e o animal que conhecemos com esse nome, a cruz e a figura de Jesus Cristo, a Cristandade, etc. A grande e imediata família a pensar é a língua(s) humana(s). Mas todos os sinais matemáticos, símbolos religiosos, os animais para representar nações, clubes de futebol, etc., também fazem parte dos símbolos. Os símbolos, fazendo parte de uma convenção associada a uma determinada comunidade, podem significar diferentes objectos entre comunidades de interpretantes diferentes. O exemplo mais famoso é o da suástica, que significará coisas diferentes se formos um budista, um Navajo, um Nazi, ou o ManWoman.
[Colocamos aqui uma questão. As setas que indicam uma direcção serão um ícone, uma vez que poderão ter alguma semelhança com a ideia de direcção? Ou serão antes um símbolo, nesta última acepção? O sinal informativo dos bombeiros é um ícone, mesmo que não se pareça em nada com um carro de bombeiros que conheçamos? O sinal de “rotunda” é um símbolo, convencional, mesmo se se parece de facto com uma rotunda (ou a sua direcção geral)?]
Em suma, numa distribuição de importâncias, se isso for possível (lembremo-nos que a relação triádica é fundamental na perspectiva de Peirce), poderemos dizer que no ícone o mais importante é o próprio signo (neles reside uma semelhança física com o significado), no índice é o objecto (com o qual o signo estabelece uma correlação directa), no símbolo o interpretante (que é quem constrói o significado entre signo e objecto). Nenhum deles pode existir sem os três se relacionarem entre si, mas é em cada um desses elementos que há um maior peso, por assim dizer.
A pergunta, depois desta apresentação e resumo (redução drástica) dupla, é: que tipo de signos existirão na banda desenhada?

"9ª Arte"?

De certeza que já escutaram muitas vezes (mas não de mim) referirem-se à banda desenhada como a “9ª Arte”. De onde vem esta expressão?
Em primeiro lugar, é preciso ter em conta a evolução etimológica da palavra arte. Em tempos idos, não se relacionava com o que hoje entendemos por tal, um modo de expressão pessoal, criativo, individual, etc. Derivava antes da palavra latina arte que, apesar de estar associada à palavra grega artios (“completo”), traduzia a noção grega de téchnē, que se refere a um saber prático, especializado, enfim, uma “técnica”.
Na Idade Média, com o advento das Universidades, os saberes aí ministrados eram organizados em disciplinas às quais se davam o nome de “artes”. Poder-se-iam aprender “artes” ora para ganhar a vida, com uma profissão, ora para se entregarem simplesmente ao prazer e ao esforço do conhecimento. As primeiras estavam “presas” a um objectivo último (ganhar dinheiro), as segundas eram “livres”, pois eram feitas apenas para crescerem no seu interior. Por isso se chamavam a estas artes as artes liberais (e às primeiras as artes iliberais, mecânicas ou vulgares).
Como tudo nesse tempo (fruto de uma profunda crença um Deus ou Móbil superior e o Universo organizado a partir de então), estas artes eram hierarquizadas e organizadas. Eram sete e subdividiam-se em trívio ou artes triviales (relacionadas com a linguagem) – retórica, gramática e dialéctica – e em quadrívio ou artes quadriviales – geometria, astronomia, aritmética e música. As razões dessa organização são multímodas e relacionam-se com as culturas da Antiguidade, com o modo de entendimento do Universo, e seria um método organizativo que influenciaria toda a cultura ocidental (os saberes disciplinados, cada vez mais repartidos para acentuar um saber especializado, são uma longínqua herança). O que se ganha em especialização (agora por razões iliberais, claro) perde-se em visão panorâmica.
Ora, ainda dentro do espírito dos tempos, em que se faziam associações e rimas de todas as coisas com tudo o resto, é natural que se aproximassem estas Sete Artes Liberais com muitas outras realidades agrupadas em sete: as Sete Virtudes, os Sete Sacramentos, as Sete Colunas da Sabedoria (Provérbios 9:1-3), etc. A sua representação icónica, como mulheres, e às quais se atribuíam insígnias ou objectos distintivos foi também multiplicada (podem ver aqui uma imagem) na época (e se souberem alemão, vejam aqui também, pelos menos as imagens).
Ora, esta mania de organizar as coisas de um modo hierarquizado manter-se-ia durante muito, muito tempo, sobretudo naqueles escritores que exerceriam um maior influência sobre o pensamento, como os filósofos, e acima de tudo aqueles que dedicaram algum tempo às artes. Por exemplo, vejamos os exemplos de Kant e de Hegel. Kant, no seu Crítica da Faculdade do Juízo (Imprensa Nacional – Casa da Moeda, v. parágrafo 51), apresenta uma divisão das artes, de acordo com os sentidos, ou melhor, os modos de expressão, que são três: a palavra (articulação), o gesto (gesticulação) e o tom (modulação). Não se esqueçam que as razões e argumentação que leva a estas ideias é muito complexa, e estou a apresentar aqui uma mera superficialidade das mesmas. Assim temos as artes da palavra ou elocutivas, como a Eloquência e a Poesia, as artes do gesto ou figurativas, como a Escultura, a Arquitectura, a Verdadeira pintura e a Jardinagem, e as artes do tom ou do jogo das sensações, como a Música e a Arte das Cores. Estas são, portanto, e de acordo com Kant, as Belas-Artes, existindo ainda outros produtos artísticos, mas menos belos, como o Espectáculo, o Canto, a Ópera, a Dança, a Tragédia rimada, o Poema didáctico, a Oratória, etc., pois de acordo com o seu idealismo, estas formas não estão conformes ao juízo da razão. Kant procede a uma divisão das artes, mas dentro do primeiro sistema não há propriamente uma hierarquia. Seja como for, sabe-se que Kant detestava música.
Hegel, por outro lado, na sua Estética (em português, na Guimarães), e na sua crítica ao idealismo de Kant, já elabora uma hierarquia, uma verdadeira classificação (por classes), na qual a arte, quanto menos “material”, mais “expressiva” se torna. Daí que a mais baixa das artes seja a Arquitectura, e a mais elevada de todas a Poesia (na qual se inscreviam as artes dramáticas e sendo a mais alta forma delas a Tragédia). Entre as duas, temos a Escultura, a Pintura, a Dança e a Música. Tal como Kant detestava música, Hegel gostava de música. Mais, a relação do sistema das artes deste filósofo relaciona-se com a sua noção de dialéctica e as famosas tríades, e de História, logo a sua primeira divisão é entre artes simbólicas (associadas à Índia, à Pérsia, ao Egipto), clássicas (Grécia antiga) e românticas (desde a Idade Média até ao seu tempo), que não distinguiam propriamente as artes em si, mas classificava vários estilos das artes. Quer dizer, existe a poesia enquanto arte, e três estádios sucessivos: a poesia simbólica, a poesia clássica, e a poesia romântica.
Por outro lado, é preciso também citar um outro teórico das artes, chamado Gottfried Ephraim Lessing, que escreveu um livro muito influente intitulado Laooconte (em português, se bem que apenas exista tradução no Brasil). Nessa obra, Lessing postula que deve existir uma fronteira clara (normativa, portanto) que separe as artes espaciais (a Arquitectura, a Escultura e a Pintura) das temporais (a Música e a Dança). É apenas (?) um outro sistema classificatório.
Já no início do século vinte, um teórico e escritor do cinema italiano, chamado Ricciotto Canudo, amigo de muitos autores famosos do seu tempo (Picasso, Apollinaire, Ravel, etc.), tentava discutir a integração desta nova arte num sistema mais alargado. Uma vez que o cinema começou como uma arte de “feira”, pouco “séria” e “elevada”, a sua defesa passava pelo cotejamento com as ditas Belas-Artes (mas repare-se que a Jardinagem de Kant não é hoje assim considerada, nem a Tragédia é vista como parte da Poesia, e que a Geometria e a Astronomia são hoje “ciências”). Em 1911, Canudo publicou em Paris um manifesto que se intitulava O Nascimento de uma Sexta Arte. Ensaio sobre o Cinematógrafo; nesse texto, o italiano parte do sistema de Lessing, afirmando que o cinema agregava as artes espaciais às temporais. Passados alguns anos, lá parece ter mudado de ideias, pois funda o Clube dos Amigos da Sétima Arte, e em 1923 publica o Manifesto da Sétima Arte. A mudança está na inclusão agora da poesia, passando a estar mais próximo do sistema de Hegel. O Cinema, seja como for, era a grande arte de “síntese”, logo, superior a todas as outras. Enfim, é a Canudo que se deve a expressão “sétima arte”, apesar das dúvidas iniciais.
Esta mania de sistematizar as artes, mesmo as “populares” (ou “de massas”) não era apenas mania dos europeus. Em 1924, o crítico Gilbert Seldes publica o livro The Seven Lively Arts, que podem ler na íntegra aqui, e que é dedicado à Banda Desenhada, aos Filmes, à Comédia Musical, ao Vaudeville, à Rádio, à Música Popular e à Dança, como já tinha indicado antes. No que diz respeito à banda desenhada, é aí que se encontra um excelente artigo histórico sobre a não menos histórica mas ainda fabulosa série Krazy Kat, de George Herriman (a abrir este parágrafo, uma das mais belas pranchas).
Aproximamo-nos do nosso interesse, mas meio-distraídos...


Em 1964, na revista Spirou, um dos seus autores mais famosos, Maurice de Bévère (mais conhecido por Morris, o do Lucky Luke), com Pierre Vankeer, iniciam uma série de artigos que criam um “Museu da Banda Desenhada”, que dava conta de exemplos desta arte ao longo da história e dos países. O seu título era “Nona Arte”. Mais tarde, em 1971, Francis Lacassin, um outro teorizador e ensaísta dedicado positivamente às artes populares (na esteira de Canudo, de Seldes, e de outros, como W. Benjamin, por exemplo), publica um livro intitulado Para uma nona arte, a banda desenhada, cristalizando assim a expressão. Mais recentemente, o CNBDI francês publicaria uma revista excelente, dirigida por Thierry Groensteen, precisamente intitulada 9eme. Art. Insiste-se... E esta série de disparates continua, com o oitavo lugar ocupado ora pelo teatro ora pela televisão, pela fotografia ou o vídeo... E os jogos interactivos (quer em papel e dados ou cartas quer electrónicos) já se batalham pelo “próximo patamar”...
No fim de contas, para que serve esta expressão? A meu ver, é absolutamente necessário um trabalho aturado, pensado e relevante sobre as especificidades e mesmo a ontologia da banda desenhada que leve em conta os diálogos possíveis dela com as outras artes, tome esse diálogo os contornos que tomar. Todavia, criar um número, uma hierarquia, não me parece ser o caminho correcto. Dizer “nona arte” não ajuda em absolutamente nada em entender a banda desenhada e esse diálogo e, mais, revela uma tremenda visão limitadora do modo como as Artes (entendidas do modo mais amplo) funcionam na contemporaneidade, quer ontológica quer sociologicamente: se alguma noção que preside ao modo como a cultura se influencia entre si e as ideias transitam, então a noção dos filósofos Deleuze e Guattari de "rizoma" é muito acertada. Algo que cresce em todas as direcções sem qualquer espécie de organização interna ou previsível, como o gengibre, ou a batata quando grela... A imagem aqui em cima não é de todo correcta, pois é arborescente; contudo, temos sempre o nosso próprio corpo, os olhos, a personalidade, no centro da tempestade que escolhemos como a nossa... Se me convencerem que essa expressão de "Nona Arte" ajuda a uma melhor compreensão das especificidades e dos valores estéticos (ou outros) da banda desenhada, o que é que ela encerra enquanto definidora ou explicativa desses papéis, é possível que aceitasse a necessidade de erigir um novo sistema das artes. Não me parece, repito, necessário fazê-lo, já que uma “narrativa histórica” (aproximamo-nos de Carroll, novamente) tomará em conta o progresso possível do pensamento e das atitudes filosóficas perante o mundo, e as artes nele, e qualquer tipo de encurralamento (à la Lucky Luke?), como esse das hierarquias, é como os três “fs” da prancha da Krazy Kat: ele frusta (“foil”), engana (“fool”), e falha-nos (“fail”)...

Saturday, December 02, 2006

O ponto branco/zero/de intersecção: Rodolphe Töpffer. Introdução.

Rodolphe Töpffer foi um artista, escritor (francófono), crítico de arte e pedagogo suíço, que viveu no século XIX. Conhecido no seu país como escritor e pintor, sem descurar os seus livros de "literatura de estampas", dando nomes mesmo a escolas, ele é conhecido em todo o mundo por ser o "inventor da banda desenhada". Filho de um pintor alemão de algum sucesso, e no seio de uma família pequeno-burguesa dedicada às várias sensibilidades das artes, o seu destino estava talhado para seguir as passadas do pai no mundo das artes visuais. Sobretudo a pintura, apesar de Wolfgand Adam Töpffer, o pai, também se ter dedicado à caricatura, especialmente alegorias políticas. No entanto, quase como se num conto de contornos bíblicos, uma doença do foro visual impedi-lo-ia de prosseguir essa carreira, e desviou-se para as letras... escreveu contos, um romance, e vários relatos de viagens (muito em voga, então) ilustrados pelo seu próprio punho. Tornando-se professor, chegou mesmo a ocupar uma cadeira de Retórica. E foi enquanto perceptor que deu vida a uma série de aventuras de personagens muito particulares, em pequenos livrinhos feitos à mão com croquis e pequeníssimos textos, naquilo que ele próprio chamaria de "literatura em estampas", e nós "banda desenhada".






É óbvio que estou a reduzir uma complexa teia de acontecimentos e circunstâncias da sua vida, aprendizagem e das convergências culturais que se consolidariam na sua obra, mas estas são as linhas gerais que nos importarão seguir. O facto de Töpffer ter construído os livros em exemplares únicos para serem fruidos apenas pelos seus alunos ou um círculo reduzido de amigos poderá recordar-nos a nossa actual ideia de fanzine; a publicação posterior em volumes (álbuns) singulares (aqui vemos as capas de Mr. Pencil, de 1840, e Mr. Cryptogame, de 1845, redesenhado por Cham), depois em compilações, as imitações, etc., fazem em si mesmo uma história conturbada e complexa. O investigador português Leonardo de Sá tem uma excelente sinopse (já para não falar da secção do seu site dedicado ao autor) em que essa linha torta se endireita um pouco, para podermos seguir estas obras de Töpffer. Mas é a vida "transportável" dos livros que alteraria o papel social de todos os objectos anteriores e que se costumam agregar na História (na verdade, "Pré-História") da banda desenhada, e que lhes garantiriam uma determinada repercussão enquanto construção cultural que transformaria possível falar de uma nova arte (explicaremos como).
Apesar da ideia de ver em Töpffer o fundador da arte conhecida como banda desenhada ser ter já alguns anos, e muitos defensores, a obra que apresentaria a perspectiva mais consolidada e estruturada dessa defesa é a dos investigadores Thierry Groensteen e Benoît Peeters - ambos autores absolutamente incontornáveis no estudo da banda desenhada - que se vê aqui ao lado, Töpffer. L'invention de la bande dessinée. Nessa obra, cada um dos autores apresenta um estudo: Peeters explana os aspectos mais pensados por Töpffer dentro da sua arte, a saber, o estudo da fisionomia e a ligação que esses traços tinham com a personalidade, e de que modo esse saber multímodo foi aplicado quer nas ciências (de Lavater a Bertillon) quer nas artes (de Grandville a Moebius, passando por Balzac); Groensteen prende-se sobretudo a uma certa evolução de uma arte, explorada desde a caricatura inglesa do século XVII e as suas relações com as imagens populares até aos muitos "herdeiros" de Töpffer, quer os directos (Cham, Christophe, Samivel) quer a outros menos imediatos. Depois, o livro apresenta organizados alguns dos escritos do artista suíço sobre a sua obra da "literatura de estampas", desde cartas a artigos em revistas estéticas, até ao seu Ensaio sobre a Fisiognomonia.
O Ensaio foi em primeiro lugar publicado parcialmente, numa publicação periódica, em 1845, sendo em 1849 que saíria na íntegra, numa versão "autografada" (explicarei mais tarde), ilustrada. O objectivo destes textos é, claramente em primeiro lugar, o de explicar o quão superior o método da fisiognomonia era em relação a outros (como a frenologia) em dar a conhecer o carácter humano através dos traços físicos do indivíduo. Todavia, as considerações de Töpffer vão bem mais além disso, e acaba por se fazer uma defesa da irredutibilidade da alma humana, com repercussões morais e até mesmo religiosas, uma defesa da ideia romântica da superioridade da arte criada pelo bem da sua própria existência, pequenas notas sobre a corrupção moral a que determinados escritores votam os seus leitores e que tipo de soluções estéticas são possíveis para evitar esses males.
Mais ainda, o Ensaio, uma vez que procura explicar os traços dos rostos humanos na sua relação imediata com características morais ou intelectuais, acaba por ser uma espécie de semiótica facial, de exploração das "unidades mínimas de significado" possíveis, ainda que o autor acabe por confessar tal ser impossível. E, como quem não quer a coisa, quase como se fosse um produto derivado, mas que acaba por tornar este texto no primeiríssimo texto intelectual sobre a banda desenhada, Töpffer avança muitas noções e considerações gerais que acabam por ser definidoras, ou melhor, explicativas, do que ele entende ser a "literatura em estampas", ou "banda desenhada".
Para além das especificidades formais da obra de Töpffer, em que surgem muitas das técnicas hoje tidas como concernentes a esta arte, e que contribuem para o título (arbitrário, pertinente) de "inventor da banda desenhada", é o Ensaio o que torna Töpffer também o seu primeiro teórico, teorizador, intelectual, e muito forte acima de tudo.
Veremos como.

Um desvio pelo cinema.

Apenas para fazermos uma pequena comparação, mas que nos ajudará a consolidar a ideia da necessidade de um "ponto de partida", falemos um pouco de cinema.
Qual é o seu "ponto de partida"? Apenas uma ideia cristalizada, mas algo falsa, e na nossa cultura europeia largamente influenciada pela francesa, vem-nos imediatamente à cabeça o nome dos irmãos Lumière enquanto "inventores do cinema". Não estou a referir-me a estudiosos da especialidade, mas a um público geral. É usualmente aos Lumière que é atribuída a origem dessa arte. Mas na verdade, a única contribuição verdadeiramente original dos dois irmãos foi a da projecção (já que em relação à câmara de filmar propriamente dita o que fizeram foi uma pequena ginástica de retroengineering sobre a de Edison), a qual tomou os contornos que ainda hoje tem: imagens em duas dimensões, projectadas num plano liso, numa sessão pública. Há quem queira ver nos Lumière também o início da tradução "realista" do cinema, mas já ninguém leva a sério essa dicotomia. Bastará ver os seus filmes com alguma atenção (como o da Saída da fábrica, aqui retratado) para nos apercebermos da existência de uma bem conseguida e dominada unidade narrativa, planeada e pensada.
No entanto, essa ideia não deixa de ter alguma ponta de razão. Isso deve-se ao facto de um outro realizador, mago de teatro, Georges Méliès, ter feito um assombroso contributo para esta nova arte. Méliès, graças a acasos felizes e a uma aturada investigação dos "truques" que a câmara e a encenação teatral poderiam fazer, lançou-se à realização de uma imensa quantidade de filmes fantásticos (na plena acepção da palavra, enquanto género narrativo), sendo A Viagem à Lua o mais famoso (aqui com uma cena). Uma visão - como eu disse, colocada em questão nos nossos dias - quer ver portanto uma divisão narratológica entre os Lumière e Méliès...
Mais, o que nos leva a isso é uma visão contemporânea do cinema. Só por estarmos informados com o cinema do nosso tempo e a sua história (até hoje) é que olhamos as suas origens desse modo. Além do mais, o ser humano parece querer sempre atingir as respostas mais simples, e atribuir a invenção de qualquer coisa a uma só pessoa, como se nada tivesse existido antes e surgisse de repente (ab ovo é a expressão). Todavia, se olharmos de um ponto de vista puramente técnico para o cinema, nada nos indica ter de parar nos Lumière... A quantidade de máquinas existentes e com nomes hoje algo pomposos e divertidos é já em si uma excelente pista para a complexidade do tema. As lutas aparentemente exageradas nesta vinheta de Scott McCloud foram, de facto, bem reais. Se voltarmos ao texto de Benjamin, entenderemos que a aposta dos franceses em apontar aos Lumière como os inventores do cinema se prende com as "mudanças sociais" operadas pela projecção (e uma pontinha de nacionalismo), ao passo que os americanos, na sua insistência em Edison e o seu kinetoscópio (que já tinha filme sonoro; o som "desapareceu" com a projecção), estáo mais presos à "técnica" (e uma pontinha de nacionalismo).
De um ponto de vista técnico", se descrevermos o cinema enquanto imagens em duas dimensões cuja sequência rápida, ritmada e intervalada nos dá a ilusão de movimento, então o que nos impede de olhar para os flipbooks ou os zootropes (aqui ao lado está um) e dizermos que estamos perante máquinas cinematográficas? Não nos podemos pautar pelo facto do cinema usar celulóide como suporte de gravação de imagens, uma vez que existe hoje "cinema digital", o que lança essa definição física num papel de exclusão... do filme Sarabande, de Ingman Bergman, por exemplo. A ideia de gravação poderá ser um ponto de partida válido? A obrigatoriedade da sua projecção é também compulsiva? E deverá esse acto de projecção ser público e colectivo (passível de ser projectado num espaço que pode ser olhado por mais que uma pessoa) ou poderá ser individual?
Se podermos considerar o acto de visionamento de imagens em movimento, de um modo individual (tal como acontecia com o Kaiserpanorama), e se não estivermos de modo algum presos à necessidade de termos de ver imagens análogas às do mundo (icónicas, portanto), não poderíamos ver o caleidoscópio (aqui ao lado vê-se uma versão do século XIX, se não estou em erro) como um "acto cinematográfico"? Quando digo "individual" não digo "ver sozinho", como quando estamos numa sala de cinema sem mais nenhum espectador e esquecendo o projectador, ou quando estamos sozinhos nas nossas salas a ver um DVD (digital, não celulóide...): quero significar o facto da máquina em questão apenas poder ser utilizada e as suas imagens serem visualizadas por uma só pessoa (há muitos brinquedos que permitem ou exigem isto). E quando falo de imagens que não-icónicas, falo de abstracções que seriam tornadas possíveis e belíssimas até por realizadores de cinema como Hans Richter ou de animação como Norman McLaren. Os efeitos produzidos pelo caleidoscópio são análogos aos de alguns filmes destes (e de outros) realizadores. Mas não falamos de cinema ainda...
Nos casos do Kaiserpanorama, do caleidoscópio, do zootrope, etc., não haverá projecção, o qual, como vimos com Benjamin, despoleta determinadas mudanças sociais. Mas se estivermos presos à projecção, e esquecermos os outros pormenores tecnicizantes, a ideia de projecção de imagens em duas dimensões para fruição pública e colectiva era já experienciado por outros actos culturais, sendo talvez o mais belo exemplo a das sombras javanesas (de que temos aqui uma imagem), fruto de marionetas magnífica e pormenorizadamente recortadas em silhueta e que eram manipuladas entre uma fonte de luz e a "tela" onde as sombras são projectadas. Poderíamos falar de outros exemplos, talvez... Para tudo o que se disse.
Um desses exemplos poderia ser talvez aquela que seria considerada a primeira sessão de cinema de toda a História do ser humano: ela é contada na alegoria da caverna de Platão. Três homens, numa sessão pública e colectiva, a olharem para uma superfície plana (uma parede de rocha), onde são projectadas imagens em duas dimensões (sombras) por meio da luz do sol atravessar os corpos das figuras, a atravessar fora da boca da caverna...
Brincamos? Sim e não.
Falar da caverna para falar de cinema poderá, à primeira vista, parecer ridículo, uma boutade sem qualquer utilidade verdadeira. Todavia, creio que deverá ser claro o seu objectivo: a escolha dos Lumière não é totalmente fora de um grau de arbitrariedade, e como "ponto de partida", poderemos sempre voltar atrás. Porém, se tomarmos em conta os irmãos Lumière como "ponto de intersecção" que origina uma ideia de cinema, um campo de criatividade, de expressão, de um modo que transmite ideias, uma apreensão do universo, de estímulos sobre as emoções, a moral, etc. do seu fruidor, então essa escolha torna-se pertinente. Mais pertinente do que escolher Platão, as sombras javanesas, ou o caleidoscópio... tão arbitrária como escolher Edison ou Méliès. Simplesmente parece que essa escolha é, de facto, a que torna a discussão quer da sua pré-história quer da diversidade da sua produção (mesmo contemplando as possibilidades futuras) a mais acertada em relação às outras. Ou talvez não. O bom disto tudo é podermos sempre rever as nossas posições e conceitos.
Eis porque nos parece também que a escolha de Töpffer é análoga às razões aqui apresentadas.

Saltos no tempo (passado).

Aceitando então que poderemos olhar para o passado - cada vez mais para trás... - em busca de obras culturais que partilhem técnicas, efeitos e mudanças sociais operadas análogas ou contíguas àquelas verificadas no que hoje chamamos de banda desenhada, aceitamos necessariamente um determinado número de escolhas.
Essas escolhas são necessariamente heterogéneas, feitas de grandes saltos no tempo - por vezes (quase sempre?) aleatórios. Por essa razão coloco aqui uma vinheta retirada do álbum A Armadilha Diabólica (1960), de Edgar P. Jacobs, da série As Aventuras de Blake & Mortimer. Nesse álbum, o professor Mortimer recebe um presente envenenado do professor Miloch: uma máquina do tempo a que dá o nome de "Cronoscafo". A máquina tem o "selector temporal sabiamente avariado" e obriga Mortimer a fazer saltos incontrolados e aleatórios no tempo...
É em homenagem a esses "saltos aleatórios" que deixo aqui dois dos sites que penso serem os mais bem organizados e inteligentes na apresentação das suas ideias, contribuindo para uma panorâmica do que pode ser entendido como a "Pré-História" da banda desenhada.
O primeiro é em inglês, e pertence a Andy Bleck, e vai de 300 a ca. 1930 (imediatamente antes dos comics books). Os textos são curtos e precisariam de maior integração histórica e uma exploração reflexiva mais balizada, mas em termos de apresentação e imagens é soberbo.
O segundo é em francês, e estando integrado no site da Biblioteca Nacional Francesa, é fruto das investigações de Danièle Alexandre-Bidon. Centradas num período mais curto da História (a "Idade Média"), e com um design e interactividade de excelência, são os seus comentários inteligentes e agudos que tornam o seu trabalho inestimável numa verdadeira argumentação de carácter histórico.
No final de A Armadilha Diabólica, o professor Mortimer descobre que para retornar ao presente deve esperar para que a luz se torne branca (e os números a zero). Como no prisma, aceitemos por isso as cores variegadas de Bleck e Alexandre-Bidon... Mas procuremos também aproximarmo-nos do nosso "ponto branco"...

Aproximações ao "ponto de intersecção".

Se queremos encontrar um ponto de partida, mas sabemos que podemos sempre ir mais atrás;
se aceitarmos o facto de que não obstante existirem
variadíssimas definições, deveremos antes eleger uma explicação que tome em conta uma progressão e metamorfose histórica;
se tomarmos como base a ideia de que a banda desenhada (mais que a ilustração) envolve uma mescla, uma simbiose, uma conjointure, de
texto e imagem, logo que poderemos "roubar" métodos e modelos de várias disciplinas;
se nos dermos conta de que, de facto, é necessário não só um trabalho de pesquisa aturado e informado, como alguma capacidade de reflexão:
aceitaremos o facto de podermos encontrar apoio noutras paragens menos habituais dos "amantes da bd".

Walter Benjamin é um pensador muito famoso, um crítico filosófico que dedicou grande tempo da sua vida às artes, sobretudo àquelas que eram "novas" no seu tempo (o cinema, sobretudo, o qual, apesar das diferenças em relação à banda desenhada, continua a prover-nos de excelentes estudos comparativos). Escreveu muito, e bem, e morreu cedo demais. Como em muitos outros casos, a repercussão das suas ideias são bem posteriores ao período em que estava vivo, apesar dos vivos diálogos que estabeleceu com outras pessoas do seu tempo, e que lhe sobreviveriam. É bem possível que o seu "livro" mais famoso seja A Obra de Arte na Era da sua Reprodutibilidade Técnica, escrito em 1936, mas cuja versão que nos é hoje acessível seja a, melhorada, de 1939. A sua tradução portuguesa pode ser encontrada em Sobre Arte, Técnica, Linguagem e Política, publicado pela Relógio d’Água (Lisboa 1992), apesar de se adivinhar uma nova, mais cuidada, tradução, pelo Prof. João Barrento (pela Assírio & Alvim).
Nesse livro, discute-se o facto da arte sua contemporânea viver num novo meio de produção e distribuição, apagando assim a necessidade de um "original", na medida em que a sua fruição, digamos, completa, total, apenas acontece na presença da própria cópia. Ou melhor, é a cópia a obra de arte que deve ser "consumida". Isto acontece com o cinema (vemos uma cópia de celulóide ou, agora, digital), com os livros e, naturalmente, com a banda desenhada [isto não invalida que não exista, em relação à banda desenhada, "arte original", ou que ela não seja "banda desenhada", mas lá iremos; e esta é uma das razões pela qual Kunzle indica a sua terceira condição na definição].
Essa alteração do "consumo", da "fruição", implica também que a atitude perante essas obras de arte se altere... W. Benjamin cunhou o conceito de "aura", para explicar uma espécie de distância que estabelecemos entre nós e a obra de arte "clássica". Uma espécie de respeito, de assombro. Com o advento das artes que vivem na própria condição de serem reprodutíveis (copiadas) através de técnicas, as cópias são antes passíveis de uma aproximação. Não é que desapareça a aura; mas ela inverte-se: o filósofo fala da transformação de uma atitude "cultual" para uma de "exposição". De uma distância, passamos a ter obras de arte que são fruidas com uma intimidade diferente. Ambos os tipos de arte existem contiguamente, um não desapareceu pela presença do outro, mas sem dúvida que a primeira espécie de arte - a pintura, por exemplo - se alterou profundamente com a presença das outras artes.
Nessa obra, na secção XIV, há uma nota (v. pg. 105), que copio aqui na íntegra. Indico-a porque, se bem que apelar simplesmente para a autoridade pareça uma forma de escapar a uma explicação mais pessoal e abrangedora, as palavras de Benjamin ajudam profundamente a "tomar a decisão" de escolher um único autor como "inventor" da banda desenhada, como veremos. A razão reside no facto desta nota apontar uma maneira de sabermos como dizer que algo é uma "nova forma de arte". E tal como num prisma temos um raio de luz que se divide em várias cores, também poderemos encará-lo ao contrário, e ver como as várias cores são as diferentes percepções de um fenómeno que é unido. É como se as cores pudessem ter existido sempre, de uma maneira ou de outra, mas subitamente vemo-las a convergir num mesmo ponto, passando a ser um só feixe (que é Töpffer).
“A obra de arte”, diz André Breton, “só tem valor na medida em que vibrem nela os reflexos do futuro”. De facto, qualquer forma de arte desenvolvida situa-se no ponto de intersecção de três linhas de desenvolvimento. A técnica, em primeiro lugar, trabalha no sentido de uma determinada forma de arte. Antes de surgir o filme, havia aqueles livrinhos de fotografias cujas imagens, através da pressão do polegar, passavam muito depressa, para o observador, um combate de boxe, ou um jogo de ténis [v. imagem do kineográfo]; havia as máquinas dos bazares que, dando a volta à manivela, mostravam sequências de imagens. – Em segundo lugar, as formas de arte tradicionais, em determinadas fases do seu desenvolvimento, esforçaram-se por obter efeitos que, posteriormente, foram facilmente obtidos por novas formas de arte. Antes do cinema se impor, os dadaístas procuraram, através dos seus espectáculos, levar ao público um movimento que Chaplin provocou com toda a naturalidade. – Em terceiro lugar, mudanças sociais, que frequentemente passam despercebidas, suscitam uma mudança na recepção, que beneficia novas formas de arte. Antes do cinema ter começado a criar o seu público, já o público se reunia no ‘Kaiserpanorama’ para a recepção de imagens (que tinham deixado de ser imóveis) [v. imagem]. O público ficava em frente de um biombo no qual estavam instalados estereoscópios atribuídos a cada um dos espectadores. Nestes estereoscópios surgiam imagens, uma a uma, que persistiam um instante para depois dar lugar às seguintes. Edison ainda teve que trabalhar com meios semelhantes (antes de se conhecer a tela de cinema e o método da projecção), ao apresentar as primeiras fitas de cinema a um público pouco numeroso que fixava o olhar num aparelho em que se desenrolava a sucessão das imagens. – Aliás, na instalação do ‘Kaiserpanorama’ é expressa muito claramente uma dialéctica do desenvolvimento. Pouco tempo antes do cinema ter tornado colectivo o visionamento de imagens, antes do estereoscópio, surge o visionamento individual, rapidamente ultrapassado, com a mesma intensidade que outrora tinha suscitado a contemplação da imagem de Deus pelo padre, na sua cela.

Comentário:
Explicando ainda doutro modo: a esmagadora maioria das pessoas gosta e prefere soluções unitárias e simples, mas elas, na esfera do humano e das artes, raramente existem. A falácia de acreditar que é possível explicar qualquer coisa através de uma definição fechada, ou de um "ponto congelado", é, pura e simplesmente, um erro, a que poderá dar o nome de reducionismo (é mesmo uma escola do pensamento). Este texto de Benjamin ajuda(-me?, -nos?) a colocar-nos num caminho de maior pluralidade, de uma atenção mais ampla para as várias contribuições que podem advir de vários pontos para convergir numa atenção, a partir da qual se poderá atingir ainda uma outra diversidade (uma visão ampla da banda desenhada). Aproveitando as expressões de uma outra pensadora, Nayla Farouki, "é sempre possível mostrar que um estádio particular da nossa consciência é afectado, ou mesmo gerado, por uma acção material [a técnica de Benjamin], (...) por um impacte psíquico [os efeitos], (...) por uma origem social [a mudança social]" [O Que é uma Ideia?, Instituto Piaget]. Farouki refere-se a um "estádio da consciência", em abstracto, mas esse estádio pode tomar uma forma e um nome concreto, tal como uma forma de arte precisamente. A banda desenhada não apresenta quaisquer obstáculos que nos impeçam de a ver e estudar enquanto um desses estádios, produzidos pela consciência e produtores até de consciência. Mas vejamos aspectos mais balizados e próximos das palavras de Benjamin.
Walter Benjamin fala então destas "três linhas de desenvolvimento": técnica, efeitos, mudanças sociais.
1. A primeira parecem-me estar antes da obra de arte, separadas ou separáveis, e podendo surgir em vários tipos de obras de arte, ou em várias artes, etc. No campo que nos interessa, essas técnicas são variadíssimas, desde a representação do movimento, com ou sem linhas de acção, os balões para encerrar a fala, a divisão das cenas em "vinhetas" (quadradinhos ou outros mecanismos), a representação de espaços contíguos para "fora" da vinheta, ou divididos entre várias, a repetição das mesmas personagens em acções diferentes ou dos mesmos cenários para cenas diferentes, a representação de um "momento pregnante" (cf. Lessing), i.e., um momento certo de uma acção a decorrer e que aponte para ela na totalidade apesar de apenas se a ver num momento parcial, as onomatopeias, entre muitas outras. No entanto, como se disse antes, cada uma dessas técnicas não é "suficiente" (nem "necessária") para estarmos perante um exemplo de banda desenhada. Por exemplo, esta é uma das faces de um sarcófago de um cidadão romano, chamado Junius Bassus, que data de 359 e se encontra no Vaticano. Nesta face vemos a história de Jesus (ainda representado como imberbe, ou então escanhoado) em 10 cenas ("vinhetas", se quiserem): no centro será fácil entender a última ceia (acima) e a entrada em Jerusalém no burro (abaixo). Que há uma coincidência de técnica com o que nós hoje entendemos como banda desenhada não pode haver qualquer dúvida. Mas terá o mesmo efeito (percepção, ligações da memória) que a banda desenhada tem? Será que as mudanças sociais (a recepção destas imagens) operadas por este sarcófago eram as mesmas que a banda desenhada opera hoje?
2. O século XVIII foi particularmente profícuo em matérica de caricatura política, sobretudo em Inglaterra (não podendo, porém, descurar qualquer outro país crítico a Napoleão, por exemplo). A caricatura tem uma história particular, mas nos termos em que se aproxima do nosso campo terá a ver com alguns dos efeitos análogos àqueles da banda desenhada, que tanto poderão ser os do humor, como os de crítica moral-política (um valor que a caricatura assume nos fins da Idade Média), de expressividade exagerada ou estilizada (cujos precursores são os irmãos Carracci). Por exemplo, esta estampa de James Gillray é, apesar de a um primeiro olhar elíptica, bastante clara sobre o tipo de construção participativa a que são convidados os leitores e fruidores de banda desenhada. A relação entre o texto (Título & descritivo: "Contrastes na moda: o pequenino sapato da Duquesa dando passagem à magnificiência do pé do Duque") e a imagem será a pedra de toque desta arte moderna também. Mas estaremos perante um exemplo propriamente de banda desenhada, de uma perspectiva técnica? E o seu papel social, tão crítico e directamente endereçado, será o mesmo que se estabeleceria com as experiências modernas da banda desenhada?
3. As Cantigas de Santa Maria, encomendadas (e algumas criadas) pelo rei de Castela e Leão Afonso X, são uma obra magnífica, um exemplo superno da arte do seu tempo, século XIII, e que tem três vertentes: a poética, a musical e a gráfica. Trata-se de uma imensa colecção de cantigas dedicadas à Virgem Maria, logo, de poemas acompanhados por uma notação musical. Mas para além das canções, tem também páginas rica e brilhantemente iluminadas (passe o pleonasmo), as mais das vezes com "pranchas" de seis cenas (ou "vinhetas") que seguem mais ou menos próxima, mais ou menos distantemente as acções ou descrições das cantigas. Estas "pranchas" têm muitas das estratégias formais (as técnicas) da banda desenhada contemporânea, desde a repetição de personagem e de cenário (como podemos ver aqui no exemplo da cantiga 107), na contiguidade de cenário entre cenas ou na transição de personagens de uma cena para outra (provocando assim alguns efeitos análogos também), etc. No entanto, a relação destas imagens com as canções, por mais complexa que seja, está subsumida a um programa geral de elevar Santa Maria a figura tutelar da religiosidade católica. Mais, apenas existe um exemplar (o códice do Escorial) com todas estas características (as cópias restantes são diferentes em vários aspectos), e esse exemplar era apenas acessível a um número reduzidíssimo de "leitores". Se concordarmos com Kunzle, na sua visão institucional da banda desenhada como uma mass art, teriam portanto As Cantigas o mesmo papel social que viriam assumiar as obras de banda desenhada tout court da modernidade? Exerceria a mesma mudança?
Não quero dizer com nada disto que me recuse a estudar pinturas rupestres, a coluna de Trajano, sarcófagos esculpidos, tapeçarias figurativas, códices medievais ou outro tipo de produção cultural para falar de banda desenhada. Simplesmente penso que deveremos tomar um ponto de partida - por mais arbitrário que seja, mas desde que pertinente, e isso não faz um paradoxo - a partir de alguma atitude equilibrada entre a diástole (abrangendo o máximo de produções culturais, de obras de arte, de "coisas" que coincidam com a banda desenhada pelo menos num ponto ou aspecto) e a sístole (contraindo-se a atenção para apenas um reduzido número de "textos" que cumpram uma definição fechada em contornos demasiado formalistas ou falsamente essencialistas). É preciso não apenas olhar para os aspectos formais de determinada obra ou objecto de atenção (se tem "quadradinhos" ou "balões"), e talvez nem sequer apenas o seu valor ontológico (como com Thierry Groensteen, que a estuda enquanto linguagem, "conjunto original de mecanismos produtores de sentido", e de quem se falará), mas reflectir sobre o seu valor enquanto fenómeno antropológico, histórico-social, e verificar que relações estéticas estabelece com as outras artes do seu tempo específico.

Friday, December 01, 2006

A definição de David Kunzle.

A banda desenhada sofre de muitos defeitos enquanto disciplina de "apreensão do universo", sendo uma delas uma deficiência de dieta em pensamento a quase todos os níveis - institucional, editorial, sociológica, histórica, estética, filosófica - e isto independentemente dos nomes brilhantes ou dos rasgos súbitos que pontualmente surgem no seu mundo.
Se a banda desenhada deseja ser vista como as outras artes, não deve temer nada nem ter vergonha da sua ontologia, do que ela própria é (e não faltariam exemplos de "boas bandas desenhadas", "obras-primas", "de primeira água", "universais"), mas tem de ser capaz de deixar de olhar para o seu próprio umbigo (reduzido a meia-dúzia de exemplos ou de "gostos" pessoais espartilhados) e levar a sério o papel social que cumpriu, cumpre e poderá cumprir, e aceitar o facto de que ainda se mexe somente num muito confinado curral da cultura.
Um dos homens que melhor contribuiu para minorar essa deficiência de dieta foi o historiador norte-americano David Kunzle (na foto), com a publicação da sua trilogia The History of Comics (ainda que estejamos à espera do terceiro volume há cerca de trinta anos...). Kunzle é, de facto, um historiador, e de arte, no less! A existência dos métodos próprios (ou além deles) dessa disciplina são empregues nessa obra, e o facto de estar relacionado com o Instituto Warburg é um grande peso no currículo e na metodologia (falaremos de Warburg mais tarde). Aqui segue a definição que ele dá de comics (a tradução é da minha responsabilidade, como todas as outras, mas nesta deixo alguns dos termos originais, outras traduzo mas indico qual o termo, etc.; essas flutuações são propositadas, para que entendam melhor ou mais exactamente o que o autor expressa e explicita). Entre parêntisis rectos, são notas ou explicações da minha responsabilidade.

Banda Desenhada (Comic strip) – uma definição.
Este livro pretende ser uma história ou uma pré-história de um fenómeno artístico que é parcialmente pictórico e em parte literário, e conhecido no mundo anglófono de modo variado, como “comic strip”, “comic”, “comic book”, “strip cartoon”, e “the funnies”. De todos estes termos, “comic strip” é o mais comummente empregue para as tiras dos jornais; os britânicos também usam frequentemente “strip cartoon” (i.e., tiras desenhadas no estilo dos cartoons). Um “comic book” é um livro [revista ou livro] de “comic strips”. A terminologia sugere que o conceito de “comic” (cómico) é inseparável do da “strip” (tira), o que, até certo ponto, enganador. A palavra, ou o seu equivalente, é neste sentido particular aos países de expressão inglesa: os franceses, com a sua precisão característica, dizem bande dessinée (tira desenhada), os alemães (quando não usam o termo americano) Bilderstreifen ou Bildergeschichte (picture strip, picture story), e os italianos têm o termo fumetto. Esta última palavra é particularmente inapropriada de uma perspectiva histórica, uma vez que os balões de fala (fumetto significa literalmente “nuvem de fumo”) não são uma característica definitiva da comic strip, nem sequer nos tempos modernos.
Assim, é apenas em inglês que se insiste que as “tiras desenhadas” são cómicas. Por volta de 1900, quando começou a consolidar o seu lugar nos jornais de Domingo [as "Sunday Pages" eram gloriosamente impressas quatro cores; aqui está um exemplo com um episódio de Terry e os Piratas, de Milton Caniff, de quem se fala aqui], a banda desenhada era sem dúvida apresentada como um entretenimento leve, uma função que havia herdado do século XIX e que manteria durante larga parte do século XX. Mas bastará um olhar panorâmico por sobre as imagens deste livro para se demonstrar que as mais antigas tiras não tinham nada de cómico, quer nos seus estilos quer nos seus conteúdos. E qualquer pessoa minimamente familiarizada com as páginas de “banda desenhada” nos jornais americanos dos nossos dias entenderá que as tiras francamente humorísticas são equivalentes, em termos de quantidade, àquelas que têm histórias contadas num estilo realista e mais lúgubre. A tira contemporânea americana, em certa medida, voltou às fontes: sendo apenas parcialmente cómica, o seu factor de atracção aumentou, e em termos de conteúdo ideológico parece ter retomado de certa forma o seu papel original em providenciar às pessoas uma propaganda moral e política. Não há espaço para grandes dúvidas de que a combinação actual do cómico e do não-cómico nas “comic strips” possui uma influência social bem maior do que qualquer um desses factores isolados.
A pré-história de que trataremos revela como a verdadeira “comic strip” não surgiria até ao momento em que a propaganda pictórica e o cartoon social se tornaram inteiramente cómicos no seu estilo, para ser mais preciso, na Inglaterra dos finais do século XVIII [de que se apresenta aqui um exemplo, mas holandês, uma alegoria crítica às brutalidades dos espanhóis, de 1623]. Neste momento do seu desenvolvimento, todavia, dou preferência à expressão “tira caricatural” para que a possa ligar com a revolução estilística na arte gráfica popular conhecida como caricatura. Jamais me refiro à tira pré-caricatural (i.e., antes de 1780) como “comic strip”, mesmo quando contenha elementos de humor. No geral, empregarei os termos “tiras narrativas” ou “sequência narrativa”, “história em imagens” (picture story) ou “sequência narrativa” (dependendo do formato implicado) para que possa sublinhar o papel narrativo do meio, que considero fundamental.
Em todo o mundo ocidental, a banda desenhada tornou-se uma forma maior da comunicação de massas, uma força poderosíssima de moldagem da opinião pública, uma linguagem internacional (muitas das tiras são traduzidas simultaneamente em várias línguas) que é entendida e apreciada quer pelos literatos quer pelos não-literatos. Há sinais de que também as repúblicas socialistas, como a russa e a chinesa [v. exemplo, trad. italiana], começaram a explorar este meio. Não será necessário dizer que as histórias em imagens são apelativas junto aos semi-educados; e estou convencido (apesar de não o poder facilmente provar) de que existem muito poucas pessoas educadas, pelo menos nos Estados Unidos, que não tenham sequer olhado com algum interesse e divertimento para uma banda desenhada. Alguns intelectuais são praticamente escravos de certas séries, e não necessariamente aquelas de maior conteúdo intelectual. A banda desenhada atravessa as várias fronteiras sociais e educacionais dos nossos dias, tal como o seu antecessor o fizera nos séculos anteriores. Mas aqui reside um paradoxo: “De todas as artes animadas (lively), a Banda Desenhada é a mais desprezada e, se exceptuarmos o cinema, a mais popular” [cit. de Gilbert Seldes, The Seven Lively Arts; famoso livro do crítico norte-americano, publicado em 1924. As artes indicadas são: a Banda Desenhada, os Filmes, a Comédia Musical, o Vaudeville, a Rádio, a Música Popular e a Dança - não confundi-las com as "Sete Artes Liberais"].
De uma forma lata, os críticos e os académicos pura e simplesmente ignoram a banda desenhada e a sua história. Não me parece que os sociólogos e os críticos dos mass media (meios de comunicação social) tenham negado a importância social da banda desenhada; no entanto, nenhuns deles lamentaram a inexistência de uma história desse tema. O historiador de arte ou de literatura académico prefere, aparentemente, ignorar as bandas desenhadas anteriores ao século XX, enquanto factor do desenvolvimento do meio popular [Kunzle dá e comenta exemplos]. Usualmente, costuma defender-se a publicação de volumes tão grandes como este com a reivindicação que vêem suprir uma necessidade académica não só muito vincada, como de longa duração. Não a farei.
Antologiadores de livros de banda desenhada do século XX, longe de deplorarem a ausência de um estudo deste período mais antigo, contentam-se com a apresentação, numa meia-dúzia de parágrafos ou de páginas, a sua própria história enlatada que mergulha ao acaso na história geral da arte, comic e narrativa. Ou então o leitor é deixado na impressão de que pura e simplesmente não existe história da banda desenhada antes dos anos 90 do século XIX. Ambas as atitudes são erróneas, e ambas, estou em crer, provêm de uma simples falha de definição. O que queremos dizer com “banda desenhada”? É algo curioso, por exemplo, que muitos autores pareçam devotos aos balões de fala, o qual não entendo como sendo um ingrediente essencial da banda desenhada; para além disso, estes autores associam a invenção deste mecanismo antigo com Hogarth [aqui, um exemplo do ciclo de seis gravuras, A Harlot's Progress, sendo esta a 2ª], que jamais sonharia no uso de uma coisa tão estranha nas suas histórias em imagens.

Percursores surpreendentes são então avançados para o artista moderno da banda desenhada [modern strip cartoonists]. Uma monografia de John Paul Adams sobre esse determinado moderno, Milton Caniff, é subintitulada “O Rembrandt da Banda Desenhada”. Rembrandt, enquanto pai da arte, é apenas um dos muitos nomes, não menores. Adams, na total ignorância dos empregos mais comuns da disciplina da História da Arte, tais como a distinção entre “cartoon” e “comic strip”, escreve que “existem cartoons celebrados de Leonardo da Vinci, Rafael, Miguel Ângelo, tal como de Rembrandt”. O cartoon (piada) mostrando o americano em frente da famosa tapeçaria dos cartones [Kunzle chama a atenção para um erro comum (em língua inglesa) em confundir os cartoons – do italiano carta, cartone, que significavam os desenhos em grande escala que eram depois transferidos para outras superfícies – com o seu significado mais moderno, consolidado em 1843 pela revista inglesa humorística Punch] em tapeçaria de Rafael (desenhos coloridos e grandes), no Museu Albert e Victoria [aqui apresentam-se o cartone e a tapeçaria], dizendo “o desenho é bom, mas não percebo a piada”, reflecte presumivelmente uma experiência real. O que acontece tipicamente é que um escritor, mesmo que não alegue que os grandes mestres do Renascimento italiano tenham feito um grande contributo para a banda desenhada, acaba por enobrecer o seu passado através dos grandes “monumentos” de toda a História da Arte. Becker abrange desde as Tapeçarias de Bayeux às ilustrações de livros de Rowlandson, della Corte cita a coluna de Trajano, os frisos do Parténon, e os frescos de Giotto como antepassados da banda desenhada, e considera as inscrições em alguns mosaicos do século IX e as filacteras judaicas como protótipos imediatos do balão de falas. Uma publicação italiana recente, a Primi Eroi, adiciona a esta árvore genealógica objectos rebuscados como os rolos japoneses e os códices mexicanos. Um museu da banda desenhada (e que deveria ser instalado absolutamente) rivalizaria, de acordo com estas definições, em termos de amplitude, com os museus Britânico e o do Louvre em conjunto. A revista Time deu o seu contributo a este estado do conhecimento sobre a história da banda desenhada: “Historiadores conscienciosos gostam de traçar a banda desenhada (strips) até aos papiros egípcios, à cerâmica grega, às tapeçarias medievais, às ilustrações de Hogarth sobre a vida do bas-fond do século XVIII londrino; mas como verdadeiro ponto pragmático, a banda desenhada moderna não surgiria antes dos anos 1890...” [artigo de Abril 1965].
Para o nosso trabalho presente, proporia uma definição na qual “banda desenhada” de qualquer período e de qualquer país, teria de cumprir as condições seguintes: 1. tem que existir uma sequência de imagens separadas; 2. tem que haver uma preponderância das imagens sobre o texto; 3. o meio em que a banda desenhada (strip) aparece e para a qual foi originalmente feita deve ser reproduzível, isto é, numa forma impressa, um meio de comunicação social; 4. a sequência deve contar uma história que é, a um só tempo, moral e tópica. Examinaremos agora brevemente as implicações destes quatro pré-requisitos, tendo em conta o período que vamos estudar.

1. Uma sequência de imagens
A primeira, e mais óbvia, característica que distingue uma banda desenhada é a sequência de imagens. Uma “comic strip” ou um “strip cartoon” não é o mesmo que um “cartoon”, o qual significa uma piada gráfica ou uma ilustração humorística.
Um “cartoon”, por mais de um século, significou essencialmente qualquer desenho humorístico sobre qualquer tema, impresso numa revista ou num jornal. Apesar da banda desenhada (“comic strip” ou “strip cartoon”) poder ser vista como uma sub-espécie do cartoon, o seu modo operativo, o seu apelo, e até certo ponto o seu estilo, são diferentes dos do cartoon. Os cartoons singulares [aqui, um exemplo de Kurt Vonnegut] aparecem com regularidade nas secções de banda desenhada dos jornais norte-americanos, mas são facilmente distinguíveis, e estão em minoria, em relação às bandas desenhadas.
O número de imagens numa sequência podem variar consideravelmente, mas parece que as quatro são uma [e apresenta-se aqui um dos seus exponentes: Peanuts, de Charles Schulz, que se encontram a meio-caminho do cartoon singular e da tira narrativa de continuidade. Estas últimas aparecem de um modo serial nos diários, usualmente com quatro cenas por dia; outras sequências mais integradas surgirão nos comic books. No meu estudo dos antepassados da strip moderna, utilizei as quatro cenas como o limite mínimo, ainda que as piadas (joke strip) e a tira serializada dos nossos dias sejam por vezes reduzidas a três ou mesmo duas cenas. Não há praticamente limite por cima. As tiras serializadas dos nossos dias, que fazem desenvolver a mesma história a cada dia, durante três meses, chegam a uma média aproximada de quatrocentas cenas. No estudo presente, que cobre um período em que as tiras desenhadas ainda não existiam, a maior das histórias tem cinquenta e duas cenas.

2. Preponderância das imagens sobre o texto
Apesar da banda desenhada ser essencialmente uma forma híbrida, parcialmente verbal e parcialmente pictórica, esta última tem de ser considerada como a sua característica fundamental. Uma banda desenhada pode constituir-se somente de imagens; é o que acontece com muitos casos actuais, e muitas delas também o eram em tempos mais remotos; mas não pode ser dominada pelo texto. Há, porém, uma distinção entre as imagens que ilustram um texto e as imagens que são esclarecidas por um texto. É muitas vezes difícil determinar, através de uma instância específica, a relação exacta entre a imagem e o texto e qual deles veio primeiro, mas é normalmente claro qual deles é que carrega o peso da narrativa. Excluí quaisquer bandas desenhadas nas quais as legendas (captions) ocupam um espaço maior do que a imagem. [como considererá Kunzle esta prancha/página, retirada de Les Quatre Fleuves, escrita por Fred Vargas e desenhada por E. Baudoin?]

Estudiosos da banda desenhada moderna parece sentirem que a demarcação do texto em balões de fala é uma característica essencial da banda desenhada: mas há muito poucas instâncias dos balões de fala nas bandas desenhadas antigas (earliest strips), pois as personagens representadas não falam; elas mimam acções, que são explicadas e comentadas, se necessário, por legendas colocadas ora directamente acima ou (o que é mais comum) directamente abaixo da imagem. As palavras que eram utilizadas editorialmente para preencher uma falha narrativa ou prover os leitores de um rápido resumo eram usualmente colocados dentro da moldura das imagens. Artistas do período depois do Renascimento, porém, descobririam que esse resquício e comum prática medieval era um método inestético e primitivo de contar histórias, e preferiram restringir o texto (se é que tinha de haver texto) num espaço que lhe fosse próprio, onde não se iria imiscuir no espaço pictórico. O balão de fala deriva dos rolos que os profetas costumavam segurar na arte medieval, e como surgiriam ainda nas tiras arcaicas russas. Os balões e os rolos tornar-se-iam cada vez mais populares durante o século dezassete, especialmente no sofisticado broadsheet [folhas soltas em largo formato, os primeiros “jornais”; apresenta-se acima um exemplo de Jan Vandergucht, um trabalho de 1733] inglês, mas sempre em conjunção com, e não em lugar de, as legendas ou os comentários. Até mesmo nos nossos dias existem artistas da banda desenhada (notavelmente Jules Ffeifer [v. exemplo imediatamente abaixo]) que, por razões estéticas, evitam colocar os diálogos dentro de balões. Não há nenhuma razão, portanto, para ver o balão como um ingrediente definitivo da banda desenhada.
O conteúdo de uma página que apresente uma banda desenhada pode incluir um corpo bastante extenso de comentários em letras impressas, acrescentados a ou no lugar das legendas. Na maioria dos casos, todavia, este tipo mais longo de comentários podem ser vistos como uma junção dispensável, o que ajudará a compreender as imagens, mas não lhes é essencial. Há muitos outros mecanismos que empregam letras impressas, desde etiquetagens internas que identificam as pessoas ou os lugares, a inscrições que funcionam como legendas, agrupadas abaixo para facilitar a impressão. As várias combinações das letras impressas e das imagens gravadas, que se encontra nas antigas broadsheets, são inúmeras, e não há razão nenhuma para as categorizar. O ponto mais importante é que a parte pictórica seja a mais fundamental.

3. Um meio de comunicação social
Será óbvio que é a distribuição em massa das bandas desenhadas dos jornais e dos comic books o que as torna tão poderosas enquanto influência cultural. A banda desenhada é, e só pode ser, o produto da impressora. Não existia sequer aquilo que chamamos de meio de comunicação social (mass medium), tal como entendo o termo, antes da invenção da impressão. Isto não quer dizer que no mundo antes de Gutenberg não existisse a noção de propaganda dirigida a grandes números de pessoas, ou de que as imagens e as palavras não pudessem influenciar radicalmente a opinião pública e os acontecimentos políticos, ou de que a coluna de Trajano ou as Tapeçarias de Bayeux [ambos aqui representados] não tivessem como objectivo espalharem por toda a Europa a reputação militar, respectivamente, dos romanos e dos normandos. Mas mesmo que a coluna de Trajano pudesse ser “desenrolada”, e assim se pudesse vê-la para além da primeira porção, e mesmo que a Tapeçaria de Bayeux tivesse tivesse sido mostrada numa igreja ou num mercado público, sob a vista de todos, ainda assim não pertenceriam à ordem dos órgãos de comunicação.
Um órgão ou meio de comunicação social é móvel; desloca-se até ao homem, não é o homem que se desloca até ele. Apesar de se dirigir a um público em geral, convida à posse da parte de um só indivíduo. Um papel impresso, pregado à parede de uma estalagem, permite ao leitor identificar-se com o que diz, de um modo bem diverso do que aconteceria com uma pintura oficialmente encomendada e permanentemente em exposição nas paredes de uma igreja. Além disso, se uma só pessoa poder ter essa impressão, agarrando-a nas suas mãos, e passá-la a um amigo, a sua participação no conteúdo aumenta correlativamente. Ainda que as raízes da arte narrativa se prolonguem, nos vários meios, até à Idade Média, ou mesmo antes, a banda narrativa, enquanto modo de comunicação popular, não se pode arrogar de antedatar a invenção da máquina impressora.


4. Narrativa moral e tópica
Seja ela considerada moralmente corruptora ou profícua, progressiva ou reaccionária, a banda desenhada moderna tem, sem quaisquer dúvidas, um conteúdo moral forte. Também nos séculos mais anteriores, a esmagadora maioria do material impresso tinha intenções fundamentalmente morais. Há uma certa quantidade de material gráfico, tais como ilustrações de processos técnicos e gravuras de cerimónias da corte, que cumpre os três pré-requisitos que delineei acima, mas sem serem morais no sentido exacto do termo. Esses “gráficos” técnicos não serão alvo da nossa atenção. Excluiremos não só narrativas técnicas, mas também a maior parte das narrativas religiosas, uma vez que a sua moralidade é, caracteristicamente, mais tradicional do que tópica. Algumas bandas desenhadas dos incunábulos recontam a vida de Cristo, da Virgem ou dos santos, os quais obviamente imitam os altares subdivididos da Baixa Idade Média. Estes não são considerados produções originais para a máquina impressora, e o seu conteúdo moral imediato não pode ser comparado com o das bandas desenhadas que não estão dependentes dos textos cristãos. A moralidade social é bem mais influenciada pelos acontecimentos seus contemporâneos; uma propaganda efectiva está sempre associada à possibilidade de uma mudança social e política rápida. Se uma impressão é tópica, torna-se num instrumento de propaganda social e política, e por isso reveste-se ipso facto de um significado moral. Essa é a razão pela qual não só eliminamos as histórias religiosas, mas também as histórias tradicionais, todo aquele material que é sedutor não por ser novo mas precisamente por ser velho. No entanto, encontrei um número surpreendentemente baixo de tiras impressas antigas (o mesmo não se passando com livros ilustrados) que relatem contos populares tradicionais. De acordo com as provas existentes, não seria senão no final do século XVIII, e sobretudo no século XIX, que se desenvolveria realmente um mercado verdadeiro na Europa para tiras de imagens (picture strips) contando relatos tais como o de Tom Thumb [equivalente ao Polegarzinho] ou Till Eulenspiegel [ver exemplo a abrir o parágrafo]. Apenas incluí um exemplo de um conto moral (cautionary tale) tradicional, pela razão de que o seu estilo e conteúdo coincidem com algumas das verdadeiras tiras tópicas.
Com a excepção de um conjunto de tiras baseadas na iconografia tradicional cristã, a maioria dos mais antigos exemplos estão relacionados com acontecimentos políticos específicos, ou têm um contexto sócio-histórico e geográfico preciso. Estas histórias são morais de um modo em que um conto tradicional não o pode ser, pois elas apelam a uma tomada de acção social e política: resistir a um tirano ou abandonar uma vida de vícios. São contadas no presente, e exigem uma mudança imediata. A tira narrativa essencialmente popular não recorre tanto aos exemplos dos santos cristãos ou dos heróis lendários mas apresenta contemporâneos facilmente identificáveis que poderão ser celebridades políticas reais, ou então tipos ficcionais nas quais o leitor se pode reconhecer a si mesmo facilmente, ou aos seus patrícios.

A qualidade moral das tiras é directamente proporcional à força do elemento narrativo. Narrar é, em primeiro lugar, polarizar uma sequência de acontecimentos num Antes e num Depois, num Então e num Agora, numa Causa e numa Consequência – num Crime e num Castigo. Este método antitético, que se baseia numa velha tradição didáctica e retórica, é muito comum na literatura popular em geral [se bem que seja discutível, não vejo como - e isto não obstante o que o próprio autor tenha dito - o trabalho de Rudolphe Töpffer, como M. Pencil, aqui exemplificado, possa ser visto como "moral", uma vez que os acontecimentos se sucedem, os mal-entendidos se encaixam, sem que com eles se restaure a "ordem" do mundo, nem que se "melhore" a sua condição]. Muitos dos contos folclóricos podem ser reduzidos a essa fórmula de “crime e castigo” ou “recompensar a virtude”. E neste ponto deparamo-nos como uma propriedade particular às imagens, e que não é partilhada pelas palavras, e que permite a esta fórmula dúplice ser condensada numa só imagem, um só motivo gráfico. […] Um cartoon tende a funcionar desse modo “condensado”; a banda desenhada faz o contrário, fraccionando a fórmula nas suas partes constituintes e explicando-a, verbalmente, através de uma sequência linear. O número de imagens geradas dessa forma é menos importante que a sua interdependência. Um contraste simples de duas imagens pode transmitir uma moral bem mais potente, e assim contar uma história mais poderosa, que uma sequência maior que apresenta uma decomposição entre o princípio e o fim. As impressões de intuito moral mais antigas são prósperas em contrastes, dos quais apresento alguns exemplos, para que possa indicar com exactidão a procedência, e a moralidade essencial, de uma sequência narrativa que trata um tema comparável. O contraste reside no centro quer do elemento moral quer do elemento narrativo das bandas desenhadas mais antigas (early strip).
David Kunzle, “Introdução”, de History of the Comic Strip. Vol. I: The Early Comics Strip. Narrative Strips and Picture Stories in the European Broadsheet from c. 1450 to 1825. University of California Press: Berkeley/Los Angeles/London 1973; pp. 1-4. A tradução é minha.